"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

maio 16, 2012

E o Cofre do Adhemar ?

As negociações que levaram à instituição da Comissão da Verdade, a ser instalada hoje, foram tensas e demoraram mais de ano para ser concluídas. No processo, o ex-ministro da Defesa Nelson Jobim teve de assegurar aos militares que não haveria revisão da Lei da Anistia e que a história dos dois lados deveria ser contada.

À época, um dos principais negociadores dizia que pouca coisa havia para ser contada:
1) o destino dos desaparecidos e a localização de seus corpos;
2) o atentado do Riocentro num show de 1º de Maio, quando um sargento do Exército morreu enquanto manuseava uma bomba
3) o sumiço de uma parte dos mais de US$ 2 milhões roubados pela VAR-Palmares do cofre do ex-interventor (1938-1941) e ex-governador (1963-1966) de São Paulo Adhemar de Barros, supostamente dinheiro da corrupção. Adhemar era conhecido pelo slogan "Rouba mas faz".

O assalto ao cofre de Adhemar deve voltar à agenda, especialmente depois que integrantes da comissão escolhida pela presidente Dilma Rousseff demonstraram que estão divididos sobre os limites da investigação.

O advogado José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso, um nome respeitado entre os militantes dos direitos humanos, defende que a Comissão da Verdade analise as violações cometidas dos dois lados.

A advogada Rosa Maria Cardoso da Cunha, outra integrante da comissão escolhida por Dilma, por seu turno, disse que a história a ser investigada "não tem dois lados, o outro foi assassinado". Rosa foi a advogada de defesa de Dilma quando ela foi presa pelos militares.

Um dos pilares do acordo entre a área de direitos humanos e a área militar que permitiu a aprovação, por todos os partidos do Congresso, da comissão é o de que as revelações feitas à comissão não poderão ser usadas para criminalizar torturadores. Isso violaria o entendimento, já manifestado pelo Supremo, de que a anistia concedida no governo foi recíproca.

A divisão entre os integrantes da comissão já deixou os quartéis em alerta:
a Comissão da Verdade não tem a atribuição de abrir ou determinar a abertura de inquéritos. Mas o Ministério Público Federal tem e há setores da instituição que querem fazer exatamente isso.

No Ministério Público vige a tese, entre procuradores segundo a qual os desaparecidos foram sequestrados; como sequestro é um crime continuado, não há prescrição e seus autores poderiam ainda ser acionados criminalmente.

Defende-se também que a esquerda armada e desarmada já foi processada e condenada, quase sempre sob tortura, o que não aconteceu com os agentes do Estado.

Essa discussão permeou as negociações que permitiram a aprovação da Comissão da Verdade. Elas voltaram à caserna com intensidade. Seus porta-vozes são os clubes de oficiais que agregam os militares na reserva, mas o discurso tem repercussão na ativa.

Nada que ameace a integridade do sistema democrático, mas sem dúvida uma frente a mais de combate para a presidente, já envolvida em confrontos com banqueiros e congressistas insatisfeitos, entre outros.

A história do roubo do cofre de Adhemar de Barros certamente voltará ao debate, agora público. A intenção dos militares mais radicais é constranger a presidente da República, que integrou a organização VAR-Palmares, responsável pela ação de "expropriação", no jargão da esquerda.

A presidente já disse que não participou da ação, mas ainda hoje é apontada como uma das autoras intelectuais do assalto.


A VAR-Palmares cambiou parte dos dólares para atender suas necessidades operacionais. Dilma ajudou a trocar parte do dinheiro, segundo a biografia escrita pelo jornalista Ricardo Amaral.

Outra parte dos dólares teria sido remetida para exterior com a intermediação de funcionários da embaixada da Argélia. No caminho, cerca de R$ 1 milhão teriam sumido.


Militares acham que essa história também deve ser resgatada, se a intenção comissão for apenas a de contar e restabelecer a verdade histórica de tudo o que aconteceu nos anos de chumbo da ditadura militar.

Raymundo Costa | De Brasília Valor Econômico

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