"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

fevereiro 08, 2012

"PRIVATARIA" À MODA PETRALHA : Omissão estranha

Submetida a uma saraivada de críticas, umas por desconfiança sobre a viabilidade das concessões dos aeroportos de Guarulhos, Campinas e Brasília vis-à-vis os preços pagos na licitação, outras por razão política, devido à privatização ter se dado sob a égide do PT, que sempre esconjurou a venda de empresas estatais no governo Fernando Henrique, sabia-se que a operação patrocinada pela presidente Dilma Rousseff despertaria polêmicas.

Inesperadas foram as omissões.


Esperava-se mais que informações burocráticas dos responsáveis por uma operação nada trivial, inclusive da presidente, considerando-se o previsível mal-estar que a venda das concessões geraria junto aos setores da esquerda — e não só, pois, até pela comunicação petista, parte da sociedade tem um sentimento contrário às privatizações.

A ausência do primeiro escalão do governo para comunicar a mudança de política e comemorar o seu sucesso, constatado pelos altos ágios na licitação, sugere a intenção, deliberada ou não, de minimizar as repercussões.

Foi como se o governo temesse sair do armário e ser visto como exorcista das privatizações demonizadas pelo PT.


As explicações ficaram para os técnicos envolvidos com os leilões, como o ministro da Secretaria de Aviação Civil, Wagner Bittencourt, e o presidente da Infraero, Gustavo do Vale, que pouco disseram.

Consultores e dirigentes de grupos que foram ao leilão é que deram explicações sobre as eventuais inconsistências, por exemplo, entre a geração de caixa do aeroporto de Guarulhos, de R$ 500 milhões/ano atualmente, segundo o Valor, e o preço de R$ 16,2 bilhões pago pela sua concessão por 20 anos pela Invepar (da empreiteira OAS e dos fundos de pensão Previ, Petros e Funcef), associada à estatal ACSA, da África do Sul.

Ficou a impressão de um lance sem fundamento.


Entre o fluxo de caixa atual e os pagamentos anuais pela outorga, da ordem de R$ 810 milhões, há uma divergência de valores, que vai crescer com o compromisso exigido do concessionário de investir em Guarulhos, ao longo do período de concessão, R$ 4,7 bilhões.

Falta de articulação
O lance mais próximo fora de R$ 12 bilhões.
Noutro sinal de falta de articulação, jornais atribuem a "alto funcionário", sem nomeá-lo, a notícia de que o governo esperava menos de R$ 6 bilhões pela outorga de Guarulhos.
Nas entrelinhas, sugeriu irresponsabilidade.


A esta altura, o melhor que se espera do governo é que divulgue a simulação de rentabilidade com a operação de Guarulhos, validando a premissa da Invepar segundo a qual a Infraero deixa dinheiro sobre a mesa ao não realizar todo o potencial de receitas na gestão do aeroporto.
Se não for isso, vai-se estar diante de um problemão.


Vacina da transparência
A transparência é a melhor vacina.
Que também assuma, assim, que os grandes operadores de aeroportos no mundo não compareceram por discordar da permanência da Infraero nas sociedades que vão gerir as concessões, com 49% do capital, sem gastar e sem poder de veto.


Também poderia dizer que as três grandes empreiteiras nacionais — Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez — foram ao leilão, mas não apresentaram lances agressivos por terem outros planos.

Em São Paulo, Camargo e Andrade Gutierrez projetaram um aeroporto 100% privado, entre Guarulhos e Viracopos, já tendo derrubado a tese da Aeronáutica de que ele tumultuaria o espaço aéreo na região.


A lição de Chacrinha
Governos são reconhecidos não só pelo sucesso de suas iniciativas, mas pela eficácia da comunicação. Ela falta quando se ataca o BNDES por poder financiar até 80% das concessões.

Isso não implica bancar o custo da outorga, como nas privatizações do governo FHC, mas só o investimento, conforme a sua missão de apoiar a iniciativa privada.


Alega-se também que se, há funding para empresas privadas, haveria para a Infraero fazer o que se espera que façam as concessionárias. Sem questionar o mérito da aptidão gerencial da Infraero, posto em causa pelo governo Dilma, fato é que financiar empresa estatal bate direto na dívida pública, se o dinheiro não vier de fontes fiscais.

Já as operações do BNDES geram créditos, além de dividendos para o caixa do Tesouro. Os juros que desfalcam o orçamento fiscal, assim, tendem a ser menos pressionados diante de uma trajetória cadente da dívida líquida como proporção do PIB. Chacrinha, o grande animador de tevê, já dizia:
"Quem não se comunica se trumbica".


Os cintos afivelados
A batalha da opinião pública sobre as concessões dos aeroportos é função da eficácia da gestão dos concessionários. É quando se vai conhecer a competência da Agencia Nacional da Aviação Civil (Anac).

Se falhar em antecipar problemas, Dilma enfrentará turbulência.


Não será fácil aos consórcios realizar as metas, até porque, como deve instruir o contrato de outorga, as tarifas aeroportuárias não poderão ter aumento que não seja devido à inflação. Elas acabaram de ter reajustes.

Estranho, por isso, que porta-vozes das empresas aéreas insinuem que as passagens vão aumentar.
Tal descoordenação é suspeita, supondo-se que Dilma aprovou as licitações depois de concluir que estava tudo amarrado.

Talvez seja hora de ela mandar o pessoal de bordo continuar com o cinto afivelado.

Antônio Machado Correio Braziliense

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