"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

janeiro 23, 2012

A falta que o PT nos faz

O PT está fazendo muita falta ao Brasil:
na oposição...

Dizendo isso, não estou criticando - aliás, nem elogiando - seu governo; só constato que desde 2003, quando ele ganhou as eleições para a Presidência da República, não tivemos mais oposição digna desse nome.

Mas, na verdade, pode ser que em quase dois séculos de história independente tenhamos tido apenas dois ou três partidos que realizassem uma significativa oposição democrática. Dois: o MDB (depois, PMDB), no período de 1965 a 1985, e o PT, de sua fundação até 2002.

Talvez três, se incluirmos o pequeno Partido Democrático, no final da República Velha e com atuação restrita a São Paulo.


Tivemos outras oposições, mas não foram significativas e, quando o foram, não foram democráticas. Em nosso primeiro século de vida independente, as eleições foram manipuladas (no Império) ou fraudadas (na República Velha).

Na Primeira República, dominada pelas oligarquias, só dava para enfrentá-las de armas na mão - daí, a interminável guerra civil do Rio Grande do Sul, a mais breve no Ceará e a rebelião de Princesa, em 1930, na Paraíba.

Nosso primeiro período democrático, de 1945 a 1964, teve um partido significativo de oposição, a UDN, mas desde o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, ela tendeu ao golpismo, largando suas iniciais intenções democráticas.

Só em 1965 surge nosso primeiro grande partido democrático, o Movimento Democrático Brasileiro, que reunirá as oposições à ditadura, mas tardará 20 anos a pôr-lhe fim.


O MDB (desde 1980, PMDB) marca uma mudança na história do Brasil. Enfrentou a ditadura, mas com métodos e ideais da democracia.

Adotou uma política de alianças, reunindo de tudo, inclusive gente pouco digna, mas sob a liderança de nomes notáveis, como Ulysses Guimarães. Praticou, assim, o diálogo. Sua moderação, embora incomodasse a vários, assegurou aos radicais um guarda-chuva protetor.

Teve sucesso, pois seu trabalho de formiga concorreu seriamente para o fim da ditadura; e não o teve, já que após 1985 se converteu, rápido demais, em partido fisiológico. Mas sua história merece respeito.


Nosso segundo partido democrático também demorou duas décadas para chegar à Presidência.

O PT conseguiu uma façanha admirável: uniu os descontentes de esquerda, somando ideais até divergentes num propósito comum, e o fez com muito trabalho (este é meu ponto, aqui: não se faz oposição sem suar).

Esses dois partidos verteram muitíssimo suor, um tanto de sangue e provavelmente muitas lágrimas. No caso do PT basta pensar, primeiro, nos mortos do partido ou próximos a ele, em lutas de sem-terra e outros perseguidos.

Eldorado do Carajás marcou um corte nítido entre os petistas e os tucanos, pois era do PSDB o governador do Pará, quando sua polícia massacrou os sem-terra, em 1996.

Pensemos, segundo, nas ações petistas que exigiram disciplina e trabalho, como a Caravana da Cidadania. Tudo isso rendeu frutos, desde 2002.


O que falta à oposição atual, para se tornar significativa e ao mesmo tempo agir nos quadros da democracia? Antes de mais nada, a disposição a dar o sangue (em sentido figurado) ou, em sentido literal, a suar de tanto trabalho.

Infelizmente, isso mal se vê.
Uma dirigente da Associação Nacional de Jornais disse há dois anos que, na falta de uma oposição consequente, a grande imprensa assumiu o papel de opositora.

A frase é infeliz, porque o compromisso da imprensa não é fazer oposição, mas dizer a verdade - ideal nada fácil, mas que não se pode abandonar - porém expressa uma triste realidade: o PSDB terceirizou o papel de se opor.

Ele o delegou a alguns jornais e revistas que, por preguiça, preferiram o caminho fácil dos escândalos ao mais difícil de um monitoramento sério das ações de governo (e da oposição).


Será também uma certa preguiça a principal razão para a inércia da assim chamada oposição? Suas duas vertentes, o PSDB e em menor medida os verdes, parecem acreditar que basta ter razão para atingir o poder.

Mas na política o fundamental não é ter razão, é convencer.

Apostar tudo na ideia de que temos razão nos faz acreditar que quem pensa de outro jeito é patife ou, na melhor das hipóteses, ignorante - o que é um desrespeito ao soberano na democracia, o povo.

Vejam, nas redes sociais, o desdém de alguns simpatizantes da oposição pela maioria de pobres. Mas não dá para fazer oposição preguiçosa.
Pensemos na história dos tucanos.

O PSDB, desde que nasceu, em 1988, esteve perto do poder. Alguns de seus grandes nomes foram ministros de Collor, e o próprio partido por pouco não o apoiou.

Em 1994, a escolha pessoal de Itamar Franco, quase no estilo do PRI mexicano, levou Fernando Henrique à Presidência - mas qualquer nome, no bojo do Plano Real, ganharia as eleições daquele ano.


FHC é alguém especial. Ele soube converter a fortuna em virtù, para usar os termos de Maquiavel, isto é:
converteu a sorte em capacidade própria. Mas perdura o fato de que o PSDB não parece disposto a suar na oposição.
Isso é pena.

Se ele não fizer suas caravanas da cidadania, se seus militantes não se esfalfarem, se seus líderes continuarem esperando que o poder lhes caia nas mãos, nunca serão oposição de verdade.

Ora, numa democracia, para um partido se tornar governo, é preciso primeiro fazer oposição. Não sendo assim, só com sorte.

É como se o partido esperasse que a imprensa de oposição faça por ele, nas próximas eleições, o que Itamar fez em seu tempo:
dar-lhe o poder de presente.

Mas, para nossa maturidade democrática, precisamos de uma oposição que trabalhe, lute, em suma, repetindo-me mais uma vez:
que dê seu suor pela política.


Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. Escreve às segundas-feiras
Valor Econômico

Nenhum comentário: