A questão agora é se o governo saberá enfrentar a adversidade sem perder de vista objetivos de longo prazo, sem cair no ativismo improvisado e sem deixar que a reação da política econômica fique ao sabor de interesses especiais que, a cada dia, parecem ganhar mais força em Brasília.
Na discussão sobre as causas da rápida desaceleração do crescimento, muita atenção tem sido dada à queda do consumo. Mas é bom não esquecer a retração do investimento. Para justificar a guinada brusca da política monetária anunciada há alguns meses, o Banco Central teve de carregar nas cores do agravamento do quadro econômico mundial.
Especialmente no que diz respeito à rapidez da deterioração que deveria ser esperada. A insistência do BC no aviso de que, dessa vez, não se tratava de simples "marolinha", e, sim, de um maremoto, e de que o perigo era iminente, parece ter provocado parada súbita no investimento privado, além de forte desestímulo a decisões mais ousadas de consumo.
Não tivesse tal alarme sido acionado só no fim de agosto, os efeitos sobre o nível de atividade do terceiro trimestre teriam sido ainda mais fortes do que foram.
O impacto da retração do investimento privado foi agravado pela queda, em paralelo, do investimento público. Por razões completamente distintas.
O governo jamais teve intenção de cortar investimentos em 2011. Sempre deixou isso mais do que claro.
Mas, na esteira da interminável onda de escândalos dos últimos meses, viu-se obrigado a desmantelar as cadeias de comando que acionavam o investimento público em vários ministérios.
E, como até hoje não conseguiu remontá-las, vai investir este ano muito menos do que havia programado.
E bem menos do que foi investido no ano passado.
Na verdade, a gestão do investimento público na esfera federal é hoje um dos pontos mais vulneráveis do governo. Sobre isso, mais eficaz que 10 mil palavras é a foto do canal de transposição do Rio São Francisco, inacabado e já em ruínas, publicada no Estadão de domingo passado.
É difícil imaginar retrato mais contundente do desleixo e do desperdício que têm marcado a gestão de programas de investimento público no país. Quem não viu a foto, pode vê-la em www.estadao.com.br/e/transposicao
Para enfrentar a desaceleração do crescimento, o melhor que o governo poderia fazer seria restaurar tão rapidamente quanto possível sua capacidade de investimento e, ao mesmo tempo, criar condições propícias para a recuperação do investimento privado.
O problema é que o governo poderá ficar tentado a simplesmente insistir em novas medidas específicas de incentivo ao consumo.
É preciso ter em mente que o cálculo político do Planalto se tornou bem mais adverso. O horizonte encurtou. Lá se foi o primeiro ano do mandato. E, com ele, a expectativa de que, em alguma medida, a prosperidade de 2010 poderia ser reproduzida em 2011.
Tudo indica que o crescimento do PIB mal chegará a 3%. A inflação permanece bem acima da meta. E no mês que vem uma economia estagnada terá de absorver um reajuste do salário mínimo de mais de 14%.
As perspectivas da economia mundial não são nada promissoras. E a complexa coalizão governista já começa a reposicionar forças para, em menos de dez meses, disputar eleições municipais.
Não será surpreendente se, nesse quadro, a reação da política econômica à crise for marcada pelo ativismo improvisado e imediatista, ao sabor de lobbies de todo tipo.
É o mínimo que se pode concluir quando se vê que, em vez de privilegiar medidas horizontais e bem concebidas de estímulo à demanda, o governo se permitiu incluir no pacote anunciado na semana passada algo tão particularista como, por exemplo, a desoneração de eletrodomésticos da linha branca.
É por isso que, dia a dia, cresce o número de empresas que constatam que o melhor uso que seus executivos podem dar ao tempo é tomar um avião para Brasília, e tentar extrair favores especiais do governo.
Rogerio Furquim Werneck O Globo
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