Um benefício que este ano consumirá R$1,3 bilhão do Orçamento da União está sendo pago sem qualquer controle pelo governo federal.
O seguro-defeso ou Bolsa Pesca - no valor de um salário mínimo, pago por quatro meses a pescadores artesanais na época da reprodução de peixes e outras espécies, quando a pesca é proibida - é alvo de dezenas de inquéritos do Ministério Público Federal nos estados devido a denúncias dos mais diversos tipos de fraudes.
Há estados em que o benefício virou moeda de barganha para compra de votos em eleições.
Em artigo publicado ontem no GLOBO, o fundador da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, expôs o aumento do número de benefícios concedidos pela Bolsa Pesca:
em 2003, eram 113.783 favorecidos;
em 2011, esse número foi para 553.172
- o que fez aumentar o gasto do governo com o benefício, que foi de R$81,5 milhões em 2003 para R$1,3 bilhão, mais que o dobro do orçamento do Ministério da Pesca (R$553,3 milhões).
O Bolsa Pesca é pago pelo Ministério do Trabalho.
O principal problema apontado por profissionais da área e por procuradores que investigam as irregularidades é o controle falho do governo federal. Segundo o presidente da Confederação Nacional dos Pescadores e Aquicultores, Abraão Lincoln Ferreira da Cruz, hoje o governo nem sabe quantos pescadores artesanais existem no país:
- Começaram um cadastramento no 1º mandato do governo Lula que foi muito malfeito e nem foi concluído. Havia gente que apresentava carteira até com a foto trocada. A fraude está na concessão do RGP (Registro Geral da Pesca, concedido pelas superintendências do Ministério da Pesca nos estados, e necessário para a obtenção do seguro-defeso).
Em alguns estados, como Bahia, Paraíba e Pará, soubemos que usaram o seguro-defeso para pessoas se elegerem - diz. - Muita gente coloca a culpa nas colônias de pescadores, dizendo que elas não controlam a inscrição.
Mas há três anos o pescador não precisa mais apresentar declaração de que é de alguma colônia.
Cruz se refere a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, julgando uma ação direta de inconstitucionalidade movida por pescadores, derrubou a exigência de filiação do pescador a sindicato ou a outra entidade para se registrar.
Outra lacuna apontada no controle da concessão do benefício é o fato de que a lei 10.779 de 2003 reduziu de três anos para um ano o tempo mínimo que o pescador precisa ter para ter direito ao seguro.
- Outro problema é a falta de transparência. Esses dados não aparecem nos sites do governo federal - diz Gil Castello Branco, citando outras medidas que o governo poderia adotar. - O mínimo seria fazer um recadastramento dos beneficiados. Em 2008, a CGU (Controladoria Geral da União) já dizia que esses dados não eram confiáveis.
- Não tive conhecimento de aumento no número de pescadores. Esse aumento de beneficiários é falta de critérios de controle mesmo - destaca Flavio Leme, secretário-executivo do Conselho Nacional da Pesca.
Deputado teve mandato cassado
Com as falhas no controle, as irregularidades nos estados não param. No Rio Grande do Sul, o MPF investiga mais de 200 pessoas em Rio Grande e São José do Norte. Inquérito apura irregularidades também no Amazonas.
Em Santa Catarina, donos de restaurante e mercearias e até proprietários de casas de veraneio estavam sendo beneficiados e foram alvo de uma ação penal por estelionato proposta pelo procurador Darlan Airton Dias em Criciúma, em 2006.
Em Tubarão (SC), o procurador Michael Gonçalves contou que abre uma nova linha de investigação para chegar às fraudes:
- Várias são as pessoas que, empregadas por anos, passam de uma hora para outra a "exercer atividade de pesca". Começamos a pedir à Justiça do Trabalho esses tipos de caso.
Outro caso ocorreu no Pará, onde o deputado estadual Paulo Sérgio Souza, o Chico da Pesca, foi cassado em agosto pelo TRE-PA por abuso de poder político e econômico (em setembro, o tribunal concedeu uma liminar permitindo que o deputado continue no cargo até o julgamento do recurso). Segundo o Ministério Público Eleitoral, Chico da Pesca - que já foi superintentende da Secretaria Federal da Pesca no Pará - incluiu centenas de pessoas irregularmente no RGP em troca de votos.
Segundo o MPF no Pará, entre 2008 e 2010 o número de beneficiários do seguro-defeso no estado cresceu 1.400%. A pedido do MPF, a Polícia Federal investiga, há mais de cinco anos, a chamada "Máfia do Seguro-Defeso" na cidade de São João do Araguaia, no sudeste do Pará.
Já em Nova Ipixuna, também no Pará, em julho deste ano o MPF encaminhou à Justiça denúncia criminal contra o vereador Zacarias Rodrigues da Silva. Junto com a mulher e um pescador, ele é acusado de organizar um esquema que desviava recursos do seguro-defeso.
Além deles, seis pessoas foram denunciadas por estelionato. Em troca do cadastramento o vereador solicitaria a transferência de título eleitoral, com o objetivo de angariar votos. O caso foi encaminhando ao MPE, para apuração de crime eleitoral.
O Ministério da Pesca atribui o aumento no número de beneficiários à regularização da situação dos pescadores feita nos últimos anos. "O Ministério da Pesca e Aquicultura tem buscado combater as fraudes na emissão do RGP através de investigação e cruzamento de dados. Só no ano de 2011, até o mês de junho, foram cancelados 87.160 registros.
Desde janeiro deste ano e até dezembro estão suspensas as emissões de novos registros", informou por email. O ministério diz que não fez recadastramento de pescadores, mas que "constantemente acompanha e revê o Registro Geral da Pesca, através do cruzamento de dados com outros cadastros do governo federal.
O MPA estuda a realização de um recadastramento geral dos pescadores em todo o país e o aprimoramento do sistema de registro".
Alessandra Duarte O Globo
Há estados em que o benefício virou moeda de barganha para compra de votos em eleições.
Em artigo publicado ontem no GLOBO, o fundador da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, expôs o aumento do número de benefícios concedidos pela Bolsa Pesca:
em 2003, eram 113.783 favorecidos;
em 2011, esse número foi para 553.172
- o que fez aumentar o gasto do governo com o benefício, que foi de R$81,5 milhões em 2003 para R$1,3 bilhão, mais que o dobro do orçamento do Ministério da Pesca (R$553,3 milhões).
O Bolsa Pesca é pago pelo Ministério do Trabalho.
O principal problema apontado por profissionais da área e por procuradores que investigam as irregularidades é o controle falho do governo federal. Segundo o presidente da Confederação Nacional dos Pescadores e Aquicultores, Abraão Lincoln Ferreira da Cruz, hoje o governo nem sabe quantos pescadores artesanais existem no país:
- Começaram um cadastramento no 1º mandato do governo Lula que foi muito malfeito e nem foi concluído. Havia gente que apresentava carteira até com a foto trocada. A fraude está na concessão do RGP (Registro Geral da Pesca, concedido pelas superintendências do Ministério da Pesca nos estados, e necessário para a obtenção do seguro-defeso).
Em alguns estados, como Bahia, Paraíba e Pará, soubemos que usaram o seguro-defeso para pessoas se elegerem - diz. - Muita gente coloca a culpa nas colônias de pescadores, dizendo que elas não controlam a inscrição.
Mas há três anos o pescador não precisa mais apresentar declaração de que é de alguma colônia.
Cruz se refere a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, julgando uma ação direta de inconstitucionalidade movida por pescadores, derrubou a exigência de filiação do pescador a sindicato ou a outra entidade para se registrar.
Outra lacuna apontada no controle da concessão do benefício é o fato de que a lei 10.779 de 2003 reduziu de três anos para um ano o tempo mínimo que o pescador precisa ter para ter direito ao seguro.
- Outro problema é a falta de transparência. Esses dados não aparecem nos sites do governo federal - diz Gil Castello Branco, citando outras medidas que o governo poderia adotar. - O mínimo seria fazer um recadastramento dos beneficiados. Em 2008, a CGU (Controladoria Geral da União) já dizia que esses dados não eram confiáveis.
- Não tive conhecimento de aumento no número de pescadores. Esse aumento de beneficiários é falta de critérios de controle mesmo - destaca Flavio Leme, secretário-executivo do Conselho Nacional da Pesca.
Deputado teve mandato cassado
Com as falhas no controle, as irregularidades nos estados não param. No Rio Grande do Sul, o MPF investiga mais de 200 pessoas em Rio Grande e São José do Norte. Inquérito apura irregularidades também no Amazonas.
Em Santa Catarina, donos de restaurante e mercearias e até proprietários de casas de veraneio estavam sendo beneficiados e foram alvo de uma ação penal por estelionato proposta pelo procurador Darlan Airton Dias em Criciúma, em 2006.
Em Tubarão (SC), o procurador Michael Gonçalves contou que abre uma nova linha de investigação para chegar às fraudes:
- Várias são as pessoas que, empregadas por anos, passam de uma hora para outra a "exercer atividade de pesca". Começamos a pedir à Justiça do Trabalho esses tipos de caso.
Outro caso ocorreu no Pará, onde o deputado estadual Paulo Sérgio Souza, o Chico da Pesca, foi cassado em agosto pelo TRE-PA por abuso de poder político e econômico (em setembro, o tribunal concedeu uma liminar permitindo que o deputado continue no cargo até o julgamento do recurso). Segundo o Ministério Público Eleitoral, Chico da Pesca - que já foi superintentende da Secretaria Federal da Pesca no Pará - incluiu centenas de pessoas irregularmente no RGP em troca de votos.
Segundo o MPF no Pará, entre 2008 e 2010 o número de beneficiários do seguro-defeso no estado cresceu 1.400%. A pedido do MPF, a Polícia Federal investiga, há mais de cinco anos, a chamada "Máfia do Seguro-Defeso" na cidade de São João do Araguaia, no sudeste do Pará.
Já em Nova Ipixuna, também no Pará, em julho deste ano o MPF encaminhou à Justiça denúncia criminal contra o vereador Zacarias Rodrigues da Silva. Junto com a mulher e um pescador, ele é acusado de organizar um esquema que desviava recursos do seguro-defeso.
Além deles, seis pessoas foram denunciadas por estelionato. Em troca do cadastramento o vereador solicitaria a transferência de título eleitoral, com o objetivo de angariar votos. O caso foi encaminhando ao MPE, para apuração de crime eleitoral.
O Ministério da Pesca atribui o aumento no número de beneficiários à regularização da situação dos pescadores feita nos últimos anos. "O Ministério da Pesca e Aquicultura tem buscado combater as fraudes na emissão do RGP através de investigação e cruzamento de dados. Só no ano de 2011, até o mês de junho, foram cancelados 87.160 registros.
Desde janeiro deste ano e até dezembro estão suspensas as emissões de novos registros", informou por email. O ministério diz que não fez recadastramento de pescadores, mas que "constantemente acompanha e revê o Registro Geral da Pesca, através do cruzamento de dados com outros cadastros do governo federal.
O MPA estuda a realização de um recadastramento geral dos pescadores em todo o país e o aprimoramento do sistema de registro".
Alessandra Duarte O Globo
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