Os gastos do governo brasileiro com juros são cada vez mais astronômicos. Nunca se torrou tanto dinheiro com esta finalidade no país, mas nunca também foi tão delicada a tarefa de reduzir a taxa básica. Esta é hoje a encruzilhada diante da qual a gestão petista se encontra.
Na sexta-feira, o Banco Central divulgou que as despesas com juros bateram recorde histórico em agosto passado. Foram gastos R$ 21,6 bilhões, maior valor para o mês na série iniciada em 2001.
No acumulado no ano, o país já torrou R$ 160 bilhões com pagamento de juros. É uma enormidade que equivale a 6,05% do PIB, também o mais alto patamar que se tem registro no país. (Nos EUA, o indicador não chega a 2% do PIB.)
Na comparação com igual período de 2010, os gastos com juros cresceram 28%, o equivalente a 0,77% do PIB, entre janeiro e agosto.
Os gastos com juros do setor público devem fechar o ano em cerca de R$ 230 bilhões. É quase 15 vezes o que o governo federal deve destinar ao Bolsa Família ou seis vezes o que foi reservado para o Programa de Aceleração do Crescimento.
Também representa um aumento considerável em relação aos R$ 195 bilhões dispendidos em 2010 (5,3% do PIB). Em proporção do PIB, 2011 deverá ser a primeira vez em que as despesas com juros crescerão desde 2005, atingindo algo como 5,7%.
Mesmo com o corte de 0,5 ponto percentual na taxa Selic, definido no último dia de agosto, o Brasil ainda lidera com folga o ranking mundial de juros. Nossa taxa real é mais de duas vezes maior que a do segundo colocado, a Hungria, com seus 2,8% ao ano.
Numa lista de 40 países acompanhados pela Cruzeiro do Sul Corretora, somente 11 praticam taxas reais - ou seja, já descontada a inflação - acima de zero. Na média deste conjunto de nações, o juro é de 0,8% negativo. No Brasil, ainda está em 6,2% anuais.
Números tão acachapantes levam qualquer um a concluir que já passa da hora de o país acabar de vez com esta anomalia. O problema é como fazer isso sem colocar em risco a maior conquista da sociedade brasileira na história recente: a estabilidade da nossa moeda.
Já faz mais de 17 anos que esta chaga foi eliminada do cotidiano nacional, a partir do sucesso do Plano Real, lançado em julho de 1994 pelo presidente Itamar Franco. Medidas posteriores implementadas pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, como a responsabilidade fiscal, o regime de metas de inflação e o câmbio flutuante, garantiram a preservação da estabilidade monetária.
O governo atual desdenha dos riscos da recidiva inflacionária e acha que a situação presente permite um corte drástico nos juros. A visão dominante é de que é possível conviver com um pouquinho mais de inflação, desde que também se consiga um pouquinho mais de crescimento econômico.
Na sexta-feira, a presidente Dilma Rousseff expôs sua visão do problema. "Estamos abrindo espaço para que o BC, diante da crise e da ameaça de deflação e depressão em algumas economias desenvolvidas, possa iniciar um ciclo cauteloso e responsável de redução da taxa básica de juros", disse ela a uma plateia de empresários.
O pior é a visão do principal escudeiro de Dilma para a área econômica, seu ministro da Fazenda. Segundo Guido Mantega, no mesmo evento da sexta-feira, reduzir os juros é a resposta preferida do governo para reagir à crise, porque "não custa nada", conforme noticiou a (Folha de S.Paulo).
Claro que custa.
Hoje o governo fia-se em dois fatores para ancorar sua aposta na queda da taxa de juros: uma forte desaceleração das economias centrais e um maior ajuste nas contas públicas brasileiras. Se a primeira variável tem alta probabilidade, a segunda é bastante incerta.
São estes cenários que tornam temerária a estratégia do governo Dilma de, em pleno ciclo de alta da inflação, acenar com o afrouxamento da política monetária (ou seja, de juros) sem que se tenha assegurado o compromisso fiscal (ou seja, redução dos gastos públicos) para ajudar no combate à alta dos preços.
Embora seja positivo que a atual gestão tenha em seu horizonte a perspectiva de reduzir a taxa básica de juros praticada no país - ao contrário do que fez na crise de 2008/2009, quando deixou a oportunidade escapar - cortar os juros intempestivamente pode libertar a fera da inflação, e este é um risco que o país não aceita correr.
Fonte: Instituto Teotônio Vilela
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