"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

outubro 03, 2011

Juros, o show dos bilhões


Os gastos do governo brasileiro com juros são cada vez mais astronômicos. Nunca se torrou tanto dinheiro com esta finalidade no país, mas nunca também foi tão delicada a tarefa de reduzir a taxa básica. Esta é hoje a encruzilhada diante da qual a gestão petista se encontra.

Na sexta-feira, o Banco Central divulgou que as despesas com juros bateram recorde histórico em agosto passado. Foram gastos R$ 21,6 bilhões, maior valor para o mês na série iniciada em 2001.

No acumulado no ano, o país já torrou R$ 160 bilhões com pagamento de juros. É uma enormidade que equivale a 6,05% do PIB, também o mais alto patamar que se tem registro no país. (Nos EUA, o indicador não chega a 2% do PIB.)

Na comparação com igual período de 2010, os gastos com juros cresceram 28%, o equivalente a 0,77% do PIB, entre janeiro e agosto.

Os gastos com juros do setor público devem fechar o ano em cerca de R$ 230 bilhões. É quase 15 vezes o que o governo federal deve destinar ao Bolsa Família ou seis vezes o que foi reservado para o Programa de Aceleração do Crescimento.

Também representa um aumento considerável em relação aos R$ 195 bilhões dispendidos em 2010 (5,3% do PIB). Em proporção do PIB, 2011 deverá ser a primeira vez em que as despesas com juros crescerão desde 2005, atingindo algo como 5,7%.

Mesmo com o corte de 0,5 ponto percentual na taxa Selic, definido no último dia de agosto, o Brasil ainda lidera com folga o ranking mundial de juros. Nossa taxa real é mais de duas vezes maior que a do segundo colocado, a Hungria, com seus 2,8% ao ano.

Numa lista de 40 países acompanhados pela Cruzeiro do Sul Corretora, somente 11 praticam taxas reais - ou seja, já descontada a inflação - acima de zero. Na média deste conjunto de nações, o juro é de 0,8% negativo. No Brasil, ainda está em 6,2% anuais.

Números tão acachapantes levam qualquer um a concluir que já passa da hora de o país acabar de vez com esta anomalia. O problema é como fazer isso sem colocar em risco a maior conquista da sociedade brasileira na história recente: a estabilidade da nossa moeda.

Já faz mais de 17 anos que esta chaga foi eliminada do cotidiano nacional, a partir do sucesso do Plano Real, lançado em julho de 1994 pelo presidente Itamar Franco. Medidas posteriores implementadas pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, como a responsabilidade fiscal, o regime de metas de inflação e o câmbio flutuante, garantiram a preservação da estabilidade monetária.

O governo atual desdenha dos riscos da recidiva inflacionária e acha que a situação presente permite um corte drástico nos juros. A visão dominante é de que é possível conviver com um pouquinho mais de inflação, desde que também se consiga um pouquinho mais de crescimento econômico.

Na sexta-feira, a presidente Dilma Rousseff expôs sua visão do problema. "Estamos abrindo espaço para que o BC, diante da crise e da ameaça de deflação e depressão em algumas economias desenvolvidas, possa iniciar um ciclo cauteloso e responsável de redução da taxa básica de juros", disse ela a uma plateia de empresários.

O pior é a visão do principal escudeiro de Dilma para a área econômica, seu ministro da Fazenda. Segundo Guido Mantega, no mesmo evento da sexta-feira, reduzir os juros é a resposta preferida do governo para reagir à crise, porque "não custa nada", conforme noticiou a (Folha de S.Paulo).
Claro que custa.

Hoje o governo fia-se em dois fatores para ancorar sua aposta na queda da taxa de juros: uma forte desaceleração das economias centrais e um maior ajuste nas contas públicas brasileiras. Se a primeira variável tem alta probabilidade, a segunda é bastante incerta.

São estes cenários que tornam temerária a estratégia do governo Dilma de, em pleno ciclo de alta da inflação, acenar com o afrouxamento da política monetária (ou seja, de juros) sem que se tenha assegurado o compromisso fiscal (ou seja, redução dos gastos públicos) para ajudar no combate à alta dos preços.

Embora seja positivo que a atual gestão tenha em seu horizonte a perspectiva de reduzir a taxa básica de juros praticada no país - ao contrário do que fez na crise de 2008/2009, quando deixou a oportunidade escapar - cortar os juros intempestivamente pode libertar a fera da inflação, e este é um risco que o país não aceita correr.

Fonte: Instituto Teotônio Vilela

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