"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

outubro 23, 2011

CLEPTOCRACIA DO (p)ARTIDO (t)ORPE: NUNCA SE ROUBOU TANTO NESTE PAÍS.

Mesmo desfocado e com pouco impacto nas ruas, o movimento anticorrupção no Brasil tem dado um recado claro aos políticos sobre a insatisfação da sociedade com os malfeitos do Legislativo e do Executivo.

Esta é a opinião do cientista político e sociólogo Bolívar Lamounier, que critica os que veem um viés de direita no movimento afirmando que, desde os anos 50, os protestos contra a corrupção são chamados de "direitistas", "udenistas", "lacerdistas".

"Estão defendendo a Constituição", diz Bolívar, citando o artigo que trata da probidade do poder público.


Tatiana Farah
Como vê o movimento anticorrupção?

BOLÍVAR LAMOUNIER: Há intensidade no protesto, principalmente na internet. O problema é o que você faz com ele, para onde canaliza o protesto. Se vai à rua contra o ministro que superfaturou, é um protesto contra a Dilma ou a favor? Ninguém sabe. Ela toma providências, então o protesto pode ser interpretado como apoio ao que ela está fazendo. Outros pensam protestar contra o governo. Não há foco.

Acredita que o movimento seja mais contra a política que contra a corrupção?

BOLÍVAR: Exatamente.
E este é o lado ruim da história. Política virou um nome feio, no mundo inteiro, e o Legislativo é o nome mais feio. É muito mais transparente, é mais fácil saber o que aconteceu. O Legislativo é o Judas da História.
Esse é o mecanismo pelo qual a corrupção enfraquece a democracia. Por infeliz coincidência, estamos tendo no Brasil um Congresso muito medíocre.
Nunca vi nada igual. A corrupção aumentou monumentalmente.


Quando? No governo Dilma, Lula, Fernando Henrique?

BOLÍVAR: A afirmação é contundente, mas aumentou no governo Lula. Chegou um número grande de pessoas, não digo que todas mal-intencionadas, mas com pouca experiência política, experiência da máquina, muitas mal-intencionadas.
Começou um processo de relaxamento das normas de licitação, contratação e superfaturamento. Lula, que tem 80 qualidades, a meu ver tem uns 60 defeitos.
Se tivesse tomado providências no início, logo no caso Waldomiro Diniz (CPI dos Correios), teria controlado 50% do problema.


O governo Fernando Henrique também é criticado no caso das privatizações.

BOLÍVAR: Nada foi provado. Fizeram uma bateria de fuzilamento contra o Eduardo Jorge (Caldas) e não tem acusação contra ele. A mesma coisa contra o Luiz Carlos Mendonça de Barros.
O PT, que fazia fiscalização 24 horas por dia no governo FH, não conseguiu provar nada. Não estou dizendo que o Brasil nunca teve corrupção.
Isso seria uma bobagem.
Estou dizendo que agora saiu de controle.
O governo Lula perdeu o controle.


Cidadão está preocupado com gastos públicos

E o governo Dilma?

BOLÍVAR: Vejo a Dilma galopando em dois cavalos. Com um pé ela faz a faxina, e, com outro, agrada à base aliada. Do jeito que está indo, todo mês tem acusação contra alguém. Ela vai lá e faz faxina.
O dia em que bater em alguém graúdo do PMDB ou do PT, vai fazer o quê?
É capaz de se desmoralizar.
O governo tem de mandar para a rua o sujeito com acusações graves e criar mecanismos de reduzir o problema.


Há viés de direita nesses movimentos, como dizem setores de esquerda?

BOLÍVAR: No Brasil existe tradição de rotular todo protesto contra a corrupção como de "direita". Vem dos anos 50, quando o Partido Comunista e todo o grupo nacionalista, quando começava uma crítica à administração do Getúlio, que era do PSD, diziam:
"isso é lacerdismo", "é udenismo", "é protesto da classe média moralista".
Eu achava que já tinham esquecido isso, mas não.
Eles se esquecem de ler o artigo 37 da Constituição.
Ali está escrito que a administração pública se pautará pela probidade, pela impessoalidade e pela eficiência.
Protestar a favor da Constituição é ser de direita? Não dá pé, né?


Esta é uma manifestação moralista?

BOLÍVAR: Não tem ninguém propondo ou protestando contra um programa de governo. O problema é a corrupção, que é suficientemente importante.
É uma questão moral, é uma questão do uso do seu dinheiro, a carga tributária é muito pesada. É também um protesto de auto-interesse e de cumprimento da Constituição, pela reforma do gasto público.
É um protesto moral, mas moralista, não.


O movimento vai evoluir?

BOLÍVAR: Acho que vai permanecer, mas não sei se vai evoluir no sentido de trazer novas bandeiras. Para mim, é irreversível.
Está ligado com a consciência tributária do cidadão.
Agora, acho que vai crescer e se transformar.
Mas precisa achar uma espinha dorsal.
Sem bandeiras mais concretas, ele se perde.


A nova classe C está engajada nesse protesto?

BOLÍVAR: O que chamamos de classe C, estatisticamente, corresponde a algo mais que 40% da população. Então, é muito diferenciada internamente.
Tenho certeza de que grande parte dela está protestando.
Acho que no início foi uma boa ideia dizerem que não querem partidos.
Querem caracterizar que é um protesto de cidadãos, de gente que paga imposto.
É um movimento predominantemente preocupado com a tributação e o gasto público. A válvula pela qual vem essa ira é a corrupção.


Muitos políticos acham que é um movimento menor.

BOLÍVAR: A mensagem anti-política eles já estão recebendo. A indignação e o ressentimento contra a classe política estão à vista de todos.
Basta abrir os olhos.
Os políticos demorarem muito a enxergar também não me surpreende.

'A corrupção aumentou monumentalmente'
O Globo

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