Os preços do dólar romperam ontem a barreira psicológica de R$ 1,80 ao longo do dia e deixaram o Banco Central em uma situação ainda mais desconfortável.
Apesar de, oficialmente, o governo mostrar simpatia pela recuperação da moeda norte-americana, já que as cotações atuais tendem a favorecer as exportações, há um temor generalizado quanto ao impacto dessa arrancada sobre a inflação, que, em 12 meses, atingiu 7,33% e se distanciou muito do teto de 6,5% definido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
O dólar em alta contamina toda uma cadeia de preços: alimentos, eletrodomésticos, eletroeletrônicos, viagens ao exterior, aluguéis e tarifas públicas, esses últimos por meio dos Índice Gerais de Preços (IGPs).
Ontem, a moeda dos Estados Unidos registrou a terceira alta consecutiva contra o real e avançou 0,81%, cotada a R$ 1,790 — o maior nível em 15 meses. Apenas em setembro, a divisa acumula valorização de 12,42%. No ano, a alta é de 7,48%.
Caso o dólar atinja R$ 2, como estimam alguns especialistas, ou se a crise mundial piorar e ele bater nos R$ 2,40 — a exemplo de 2008, quando o Lehman Brothers quebrou, espalhando caos pelo mundo —, a missão de manter os preços sob controle será algo quase impossível para um BC que já enfrenta dificuldades para conter os reajustes dos alimentos.
"Entendemos que a recente alta do dólar, não compensada por uma redução na mesma magnitude dos preços internacionais das commodities, eleva o risco de a inflação ao consumidor se manter acima de 6,5% por um período mais prolongado", alertou Nilson Teixeira, economista-chefe do Banco Credit Suisse.
"O repasse dessa valorização (da moeda norte-americana) para os preços tende a ser verificado, em um primeiro momento, nos índices ao produtor", explicou. Em setembro, até a segunda semana, os preços à indústria avançaram 0,59% e os agropecuários, 1,33%.
Constantin Jancson, economista do HSBC, faz coro com Teixeira. "A desvalorização do real nas últimas semanas, caso se sustente, e sem um declínio correspondente nos preços das commodities, constitui um risco significativo para a inflação, especialmente se considerarmos a força da demanda doméstica e o aperto no mercado de trabalho", observou.
A despeito de toda a alta do dólar registrada até agora, analistas têm dificuldade de prever qual o limite para essa elevação. O consenso, entretanto, é de que a moeda continuará subindo enquanto a Grécia estiver sob o risco de decretar um calote na sua dívida e as condições fiscais na Europa se mantiverem em deterioração.
Mas se a disparada do dólar representa um abalo para o controle da inflação, traz também tranquilidade aos exportadores e para a parte do governo que os defendem. "É bom para nós. O dólar está recuperando o patamar que já teve e que é razoável para a economia brasileira.
Essa pequena desvalorização do real nos últimos dias é muito boa para as nossas exportações", defendeu, em Nova York, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Fernando Pimentel.
A seu ver, a economia brasileira tende a melhorar muito com o "pequeno ajuste" da moeda norte-americana.
No bolso
Para o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, a primeira consequência da escalada do dólar ao bolso do consumidor é o preço de viagens ao exterior. "É o único item que será afetado imediatamente", observou.
Ele prevê, entretanto, que produtos importados, como eletrônicos, fiquem mais salgados ao longo do tempo, já que os componentes importados vão encarecer esses produtos.
"Talvez essa alta não seja repassada a esses produtos, caso o dólar continue no patamar atual ou registre queda. Se o real continuar se desvalorizado, há um prazo mínimo de três meses para pressionar os preços, pelo menos até o fim dos estoques atuais", analisou.
Para Agostini, não há como prever o comportamento do mercado financeiro pelos próximos meses. "Vale lembrar que a crise do euro está puxando o dólar e, por isso, tudo pode acontecer até o fim do ano", observou.
Todo esse cenário de incerteza no exterior fez os investidores trocarem suas estratégias. Eles passaram a empreender uma corrida por ativos mais seguros, como a divisa norte-americana e os títulos do Tesouro dos EUA — situação que tem puxado a cotação do dólar para cima.
Perdas
Ontem, a Bolsa de Valores de São Paulo (BMF&Bovespa) amargou perdas de 1,27% e fechou aos 56.378 pontos. Apesar do volume de negócios de R$ 6,2 bilhões, a bolsa paulista não resistiu ao clima de incertezas que permaneceu elevado, principalmente em relação à Europa.
VICTOR MARTINS Correio Braziliense
Nenhum comentário:
Postar um comentário