Criado em 2008 para fomentar projetos de interesse estratégico do país no exterior, formar poupança pública e mitigar os efeitos dos ciclos econômicos, o Fundo Soberano do Brasil (FSB) perdeu R$ 5,1 bilhões ou um quarto do seu patrimônio nos últimos cinco meses.
No final de março, os ativos do FSB valiam R$ 19,7 bilhões. Hoje, valem R$ 14,6 bilhões. A perda expressiva de patrimônio (-26%) ocorre justamente em meio à piora da conjuntura internacional, cujos desdobramentos já exigem do governo brasileiro maior ativismo na gestão das contas públicas.
Esse ativismo inclui a possibilidade de usar os recursos do fundo como mais um instrumento contracíclico capaz de reduzir o risco de desaceleração excessiva da economia brasileira.
O Fundo Soberano do Brasil não segue um dos princípios mais importantes da boa gestão de fundos: a diversificação da carteira de investimentos para minimizar o risco de perdas. Desde o terceiro trimestre de 2010, os ativos do fundo estão excessivamente concentrados em ações da Petrobras, o que exacerba as perdas em momentos de retração do mercado acionário, como ocorre com a Bovespa desde março e cuja tendência de queda se acentuou em agosto.
Dados do Tesouro Nacional mostram que, em março, 80% dos ativos do FSB eram constituídos por ações da Petrobras, 10% por ações do Banco do Brasil e os 10% restantes por operações compromissadas de curto prazo.
A carteira do fundo se mantém basicamente a mesma desde setembro de 2010, quando Petrobras e Banco do Brasil, ambas controladas pela União, aumentaram seu capital.
Nos quase cinco meses compreendidos entre 31 de março e 22 de agosto, as ações da Petrobras no Fundo Soberano (PETR3 e PETR4) perderam mais de 30% do seu valor, causando um prejuízo estimado em R$ 5,3 bilhões. Já as ações do Banco do Brasil (BBAS3) caíram 15%, gerando uma perda adicional de R$ 286 milhões. O prejuízo só não foi maior porque as operações compromissadas geraram um lucro estimado em cerca de R$ 415 milhões.
A concentração excessiva do FSB em ações da Petrobras não fere apenas o senso comum de não depositar todos os ovos na mesma cesta. Ela também conflita com pelo menos três partes do arcabouço legal e de boas práticas que deveriam nortear o fundo:
1) o Decreto 7.055 assinado pelo ex-presidente Lula em 28 de dezembro de 2009 regulamentando o FSB;
2) as 24 diretrizes internacionais, conhecidas como Princípios de Santiago, que balizam as melhores práticas para a operação de fundos soberanos mundiais e que, em tese, o fundo brasileiro também procura seguir;
e 3) o conflito de interesse do Banco do Brasil na administração dos recursos do FSB.
O decreto presidencial 7.055 determina que "as aplicações em ativos financeiros no Brasil deverão ter rentabilidade mínima equivalente à Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP)".
Curiosamente, no entanto, nem o decreto ou as medidas complementares que o seguiram se incomodaram em estabelecer um prazo para a apuração dessa equivalência, apesar de o decreto original estipular que "o exercício social do FSB será coincidente com o ano civil e encerra-se em 31 de dezembro de cada ano."
Considerando-se que a atual TJLP é de 6% ao ano, as ações da Petrobras, que já caíram 30% no ano, teriam de subir 50% até o final de dezembro para que a rentabilidade do ativo mais importante do fundo se igualasse à TJLP em 2011, algo que parece pouco provável na atual conjuntura.
Isso provavelmente explica porque o governo evita regulamentar um prazo para a equivalência de rentabilidade do FSB à TJLP.
O 19º Princípio de Santiago estabelece que as decisões de investimento de um fundo soberano devem "maximizar as rentabilidades financeiras ajustadas em função do risco," o que não ocorre necessariamente com o fundo brasileiro.
Além disso, o FSB também não adere de forma clara a outros princípios importantes de Santiago, como explicitar decisões de investimento que não se baseiem em considerações econômico-financeiras e observar práticas geralmente aceitas como prudentes na gestão dos ativos.
Atualmente, todos os recursos Atualmente, todos recursos do FSB estão alocados no Fundo Fiscal de Investimento e Estabilização (FFIE), que é administrado pelo Banco do Brasil. Isso gera um evidente conflito de interesse, uma vez que 10% da carteira do FFIE é composta exatamente por ações do próprio Banco do Brasil, ou seja, a mesma instituição que administra o fundo.
Mais importante do que a aparente imprudência do governo ao alocar 4/5 do FSB em ações da Petrobras, até porque essas ações podem voltar a se valorizar no médio prazo, é saber como contornar a situação a fim de recuperar rapidamente e proteger não apenas o patrimônio do Fundo, que é de todos os brasileiros, mas principalmente a capacidade de o FSB ser utilizado para exercer política econômica contracíclica e afastar o risco de uma recessão, caso isso seja necessário.
No curto prazo, vender ações da Petrobras e do Banco do Brasil está fora de cogitação, pois deprimiria ainda mais o valor dessas empresas em um mercado acionário já combalido. Restam, portanto, duas alternativas de política contracíclica: aportar novos recursos do Tesouro ao FSB; ou elevar a meta de superávit primário.
Com receitas extraordinárias de R$ 7 bilhões arrecadadas pelo Tesouro em julho, o governo aparenta se inclinar pela segunda alternativa, o que é positivo. Para 2012, no entanto, deveria zelar pela recuperação do patrimônio do FSB. Sem isso, poderá ficar mais difícil proteger o país de crises externas e do enfraquecimento global do dólar.
Alexandre Marinis, economista pela USP e sócio da consultoria Mosaico, é pós-graduado em Política Pública e Administração pela Georgetown University (Washington, D.C., EUA)
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