Em janeiro de 1992, o então presidente do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo, o juiz Nicolau dos Santos Neto, abriu uma licitação para a aquisição ou construção de um imóvel destinado a abrigar o fórum trabalhista da capital paulista.
Passados quase 20 anos, apenas dois dos inúmeros procedimentos abertos para recuperar o dinheiro desviado e punir os responsáveis por um dos maiores esquemas de desvio de verbas públicas da história do Brasil foram concluídos.
Coincidentemente, nenhum desses dependia do aval do Poder Judiciário nacional. Na esfera judicial, outras dezenas de medidas foram adotadas com o mesmo objetivo a partir de 1998.
Essas, no entanto, ainda aguardam um desfecho em diferentes instâncias da Justiça brasileira.
Juntos, os processos judiciais que envolvem o "caso TRT", como ficou conhecido, somam pelo menos 226 volumes de, em média, 300 folhas cada um.
Ao todo são quase 68 mil páginas anexadas aos 26 tipos de ações judiciais e recursos utilizados pelos acusadores (o Ministério Público Federal) e pelos réus.
Os processos foram abertos em três diferentes tribunais do país e na primeira instância da Justiça Federal - somente os habeas corpus impetrados pela defesa dos réus somaram 43.
Os números foram obtidos pela pesquisadora Maíra Rocha Machado, da Direito GV, e compõem um estudo sobre os desafios da legislação internacional anticorrupção realizado em conjunto com a Universidad San Andres, da Argentina, e a New York University.
De acordo com a pesquisa, feita com base em dois estudos de caso - entre eles o do TRT - estão em tramitação pelo menos 52 processos e recursos relacionados ao episódio e que têm como parte o juiz Nicolau dos Santos Neto. Segundo a pesquisa, ainda estão em andamento, à espera de julgamento, 14 processos e recursos na primeira instância da Justiça Federal; 18 no Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região; 12 no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e 8 no Supremo Tribunal Federal (STF).
Outras 124 medidas judiciais - a maior parte delas recursos - já foram arquivadas no Poder Judiciário.
A pesquisa aponta que os principais procedimentos judiciais adotados no Brasil para punir os responsáveis pela fraude e recuperar os R$ 169 milhões desviados da construção do fórum trabalhista de São Paulo ainda não foram concluídos.
Um dos mais importantes é a ação civil pública aberta pelo Ministério Público Federal para ressarcir o erário.
Com 112 volumes, o processo ainda não foi julgado nem na primeira instância da Justiça Federal. No entanto, desde 1998, quando começou a tramitar, os bens dos réus estão bloqueados por decisão judicial.
Um pouco mais avançadas estão as ações penais abertas pelo Ministério Público Federal no ano 2000 contra o juiz Nicolau dos Santos Neto, os empresários Fábio Monteiro de Barros Filho e José Eduardo Correa Teixeira Ferraz, sócios da empresa Incal Incorporações, que assinou o contrato para a construção do prédio, e o ex-senador Luiz Estevão de Oliveira Neto, dono do Grupo OK.
Na primeira instância, apenas o "juiz Lalau", como ficou conhecido, foi condenado. Em 2002, a sentença estabeleceu uma pena de oito anos de prisão por lavagem de dinheiro ao juiz, que foi absolvido do crime de corrupção.
Todos os demais réus foram absolvidos.
O Ministério Público Federal recorreu da decisão e, em 2006, o TRF da 3ª Região reformou a sentença para condenar todos os réus a penas que vão de 26 a 31 anos de prisão, além do pagamento de multas de R$ 900 mil a R$ 3 milhões.
Todos recorreram ao STJ e ao Supremo e até hoje aguardam o julgamento de seus recursos em liberdade, com exceção de Nicolau dos Santos Neto, preso em dezembro de 2000 e hoje em prisão domiciliar.
O advogado criminalista Francisco de Assis Pereira, que defende o juiz, afirma que desde 2000, quando seu cliente foi preso, já ingressou com diversos recursos pedindo o desbloqueio de seus bens e também que o réu responda aos processos em liberdade.
"A única coisa que consegui foi um habeas corpus no STJ para que ele fosse mantido em prisão domiciliar, pois tem 70% das coronárias entupidas", diz.
Além disso, segundo ele, uma mudança na lei penal que entrou em vigor neste ano permite que qualquer réu com mais de 70 anos possa pedir o benefício, independentemente de sua condição de saúde.
Nicolau dos Santos Neto, segundo seu advogado, tem hoje 83 anos e mora na mesma casa em que vivia antes de assumir o cargo de juiz do TRT, do qual se aposentou em 1998.
Com exceção dela, não tem nenhum bem que não esteja bloqueado. "Ele vive com a ajuda das filhas e vendendo objetos que tinha em sua residência", afirma.
Assis Pereira diz não se surpreender com a lentidão da Justiça em julgar os processos relacionados ao caso TRT.
"O caso do doutor Nicolau corre até mais rápido do que vários outros", afirma.
"Hoje há 13 milhões de processos represados na primeira e na segunda instância da Justiça, o que dá 6 mil para cada juiz do país julgar, fora as ações que ingressam no Judiciário todo dia", diz. "É um ciclo vicioso que não tem mais jeito de quebrar, a Justiça está numa situação de falência."
Mais sorte tiveram os demais réus das ações penais.
Luiz Estevão de Oliveira Neto, Fábio Monteiro de Barros e José Eduardo Ferraz foram presos preventivamente no decorrer dos processos, mas apenas por poucos dias. Eles aguardam em liberdade o julgamento de seus recursos contra as condenações impostas pelo TRF no STJ e no Supremo.
O criminalista Eugênio Malavasi, que defende Fábio Monteiro de Barros, afirma que a demora no julgamento de seu cliente, assim como dos demais, deve-se ao tamanho e à complexidade dos recursos.
"São mais de 80 volumes e várias teses a serem analisadas", diz. Malavasi conta que seu cliente vive hoje de consultorias que presta no ramo imobiliário em São Paulo, já que seus bens também estão bloqueados, e que as empresas das quais era sócio estão inativas.
Procurados pelo Valor, os advogados de José Eduardo Ferraz e de Luiz Estevão de Oliveira Neto - que entre outros é defendido pelo ex-ministro do Supremo, Carlos Velloso - não retornaram as ligações até o fechamento desta edição.
Atual presidente do Brasiliense Futebol Clube, Luiz Estevão foi localizado pela reportagem, mas afirmou que estava ocupado e que por isso não poderia conceder entrevista.
Luiz Estevão foi o primeiro senador da República a ser cassado na história do Brasil. Após a conclusão da CPI do Judiciário no Senado, que trouxe à tona as diversas irregularidades na construção do fórum trabalhista - algumas delas identificadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) poucos meses após a realização da licitação, ainda em 1992 -, vários partidos apresentaram uma representação contra o então senador por quebra de decoro parlamentar.
Em junho de 2000, Luiz Estevão foi cassado e considerado inelegível por dez anos - prazo concluído em meados do ano passado.
A decisão do Senado em relação a Luiz Estevão foi uma das duas únicas medidas tomadas no caso TRT já concluídas e efetivadas. A outra medida que já produziu efeitos - e que também não ficou à mercê da morosidade do Judiciário brasileiro - foi a transferência da propriedade de um apartamento de Nicolau dos Santos Neto em Miami.
Nesse caso, o Ministério da Justiça brasileiro contratou advogados nos Estados Unidos para pedir à Justiça do país a decretação da perda de propriedade em favor da União, uma vez que ficou comprovado que o imóvel foi adquirido com recursos públicos.
O pedido à Justiça americana foi feito em setembro de 2000 e, pouco menos de um ano depois, a decisão favorável ao governo brasileiro já havia sido dada.
O apartamento foi leiloado no fim de 2002 e US$ 690,11 mil foram depositados na conta do Tesouro Nacional.
Cristine Prestes Valor Econômico
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