"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

julho 18, 2011

"A verdade não se impacienta, porque é eterna"... UM DOM QUIXOTE CONTRA A CORRUPÇÃO.

Perguntado se, na sua luta de quase uma décadas, as decepções foram capazes de derrubá-lo, o advogado respondeu citando Rui Barbosa:

- Não há que desesperar da sorte do bem. A verdade não se impacienta, porque é eterna. Uns plantam a semente da couve para o prato de amanhã, outros a semente do carvalho para o abrigo no futuro. Aqueles cavam para si mesmos. Estes lavram para o seu país, para a felicidade dos seus descendentes, para o benefício do gênero humano.

A batalha do advogado mineiro José Edgard Amorim Pereira, de 80 anos, é das mais inglórias.

O advogado José Edgard / Foto: Pedro Pereira

Sozinho, ele briga há dez anos na Justiça para que antigos deputados estaduais de Minas devolvam aos cofres públicos os altos pagamentos recebidos de forma secreta, no contracheque, a título de auxílio-gabinete, entre 1999 e 2001.


Quando se descobriu que os deputados conseguiam embolsar mais de R$100 mil por mês graças à manobra, os pagamentos extras foram cortados, mas nenhum centavo foi devolvido.


Amorim nunca concordou com isso.
E, como um herói do sonho impossível, buscou a Justiça para propor uma ação popular e buscar a reparação a um dano que, em valores corrigidos, calcula em mais de R$200 milhões.
Perguntado se já leu o livro mais famoso de Miguel de Cervantes, ele reage.


- O senhor me acha meio quixotesco? Eu não me acho. Sou apenas comprometido com o bem público - afirma.

O advogado mineiro lembra mais Dom Quixote quanto antepõe seus ideais à sua conveniência. E por mais inútil que pareça a luta contra os moinhos de vento, ela é necessária ao seu desejo e, no seu entender, ao mundo.
No entanto, por causa da saúde e da idade avançada, sua batalha está chegando ao fim.


- Lutar contra toda essa estrutura é meio quixotesco mesmo - admitiria um pouco depois.

A estrutura a que ele se refere é algo mais do que os 77 deputados réus na ação -- dos quais 20 ainda estão no Legislativo estadual. Quem vinha comparecendo aos tribunais mineiros para defender os parlamentares não eram seus advogados particulares, mas os procuradores da própria Assembleia, pagos com dinheiro público.

No fim das contas, é como se todos estivessem contra Edgard Amorim - não apenas os deputados, mas também os cidadãos em geral, financiadores da atividade pública.


- Não há cabimento que o erário estadual arque com os custos da utilização de sua procuradoria jurídica para defender o indefensável. Quando a própria Assembleia aprovou decreto no plenário acabando com os supersalários, era de se esperar que o estado passasse a figurar no polo ativo, ao meu lado, para recuperar valores pagos ilegalmente - diz ele.

O que aconteceu foi exatamente o contrário.
Em 10 anos de briga judicial, os procuradores da Assembleia se armaram para protelar a ação. Pensaram em anulá-la com recursos ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais e ao Superior Tribunal de Justiça.

Brigaram para que fossem citados não apenas os deputados da 14ª Legislatura, mas também os de duas legislaturas anteriores, que teriam se beneficiado da verba extra. Triplicar o número de réus (que ultrapassariam 200 nomes) era uma forma de inviabilizar a disputa.


Embora o episódio dos supersalários seja antigo, nem todos os personagens ficaram no passado. É o que mostram as 149 páginas mais impressionantes dos 17 volumes de processo, onde está relatada a contabilidade dos pagamentos secretos.

Além de um rendimento fixo de pouco mais de R$18 mil mensais a título de salário e penduricalhos diversos - como auxílio-moradia, adicional da atividade parlamentar, subsídios e até gratificação de Natal -, os parlamentares recebiam um extra classificado como "apoio de gabinete variável", por meio do qual eram cometidos os abusos.


Na época vice-presidente da Assembleia e atualmente vice-governador de Minas, Alberto Pinto Coelho (PP) recebeu em dois anos e meio um extra de R$1,9 milhão. No mesmo período, o atual presidente da Assembleia, o deputado Dinis Pinheiro (PSDB), embolsou R$1,6 milhão. Recém-eleito para um cargo no Tribunal de Contas do Estado, o então deputado Mauri Torres (PSDB) faturou R$2,3 milhões.

Da ação popular, também consta a dupla que atualmente é o principal calo no pé do governador Antonio Anastasia (PSDB):
o deputado Rogério Correia (PT), atual líder do bloco da oposição, recebeu entre 1999 e 2001 um extra de R$1,4 milhão.

Antonio Júlio (PMDB), hoje líder da minoria, R$2,2 milhões.

Por meio da assessoria, Pinto Coelho e Antonio Júlio disseram que nada comentariam porque o caso está sub judice.
Pinheiro, Torres e Correia não retornaram os contatos.


Em todos esses anos, Amorim atendeu sozinho as demandas da ação.
Professor aposentado da Faculdade de Direito da UFMG e do Banco Brasil, dedicou todas as suas energias à questão.

Há um mês, a juíza da 2ª Vara da Fazenda Estadual, Lilian Maciel Santos, determinou o encerramento do processo sem o julgamento do mérito, por considerá-lo semelhante a outra ação popular, com o mesmo objeto, ingressada anteriormente.

A medida contraria decisão do juiz antecessor da mesma vara.
Seria a hora de o advogado levantar novamente as armas e recorrer da decisão.

Mas ele decidiu entregar os pontos.


- Estou indo para 81 anos, não dou mais conta de enfrentar essa história toda - diz Amorim, que, semana passada, encaminhou despacho solicitando a intimação do representante do Ministério Público para que se assegure o prosseguimento da ação.

O MP atendeu ao chamado e já decidiu continuar a batalha.


Matéria :
advogado-sustenta-sozinho-luta-para-que-deputados-devolvam-pagamentos-ilegais-

2 comentários:

"Política sem medo" disse...

Nossa meu amigo, cada coisa que acontece e que nos nem sabemos. Precisa de alguem com essa obstinacao para que tudo chegasse ao conhecimento dos nossos descendentes. Quem sabe sua luta nao tera sido ingloria? Vamos ajuda-lo e divulgar toda essa sujeira ate cansar e o Ministerio Publico tomar uma atitude? Eu topo a parada. Esses deputados canalhas nao merecem consideracao. Tem que ser punidos exemplarmente. Minas Gerais sempre inovando na canalhice de seus representantes.

Camuflados disse...

Agora, só resta confiar no MP, que convenhamos, é pouco. Pois, os cupinchas dos aproveitadores já estão infiltrados em toda parte. A indolência e o egoísmo da sociedade é a responsável por este estado de coisa a que chegamos. Quer um exemplo?
Acesse :
http://www.maoslimpas.org.br/index.php