"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

maio 09, 2011

NO DESEJO DO PODER PERPÉTUO: BEBEDEIRA/ATOS INDIGNOS/TORPES/SÓRDIDOS/FRENÉTICOS E EXTRAORDINÁRIOS NA DESONRA.

O cenário não poderia ser mais emblemático:
o então presidente da República, ao lado do então governador do estado, fixando sobre o solo um lance de trilhos de aço na divisa de Goiás e Tocantins.
Era 21 de setembro de 2010.
Faltavam apenas 12 dias para o acirrado primeiro turno das eleições presidenciais.

Quem esteve por lá recebeu Luiz Inácio Lula da Silva como o portador da boa notícia:
aquele trecho da Ferrovia Norte-Sul, ligando o Maranhão a Goiás, estaria pronto para ser entregue em dezembro.


"No dia 20 de dezembro preparem uma grande festa", afirmou Lula em Porangatu (GO).
Entre acenos e sorrisos, Lula foi embora e deixou para trás a realidade:
a obra não foi inaugurada em dezembro. Nem em 30 de abril, como foi estabelecido no balanço de quatro anos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Nem mesmo será em julho, como se cogitou mais tarde.


A Valec, empresa estatal ligada ao Ministério dos Transportes e responsável pelo empreendimento, hoje, limita-se a informar que os trens finalmente correrão sobre os trilhos em algum momento no "segundo semestre" deste ano.

O marco zero da Norte-Sul está em Anápolis, cidade goiana que já se prepara com o porto seco para se transformar em um entreposto da produção agrícola e de minério da região Centro-Oeste.
O prefeito Antônio Gomide (PT) admite que o prazo ficou na promessa, por causa das contestações feitas à licitação de um túnel no último trecho da obra. Segundo o prefeito, a ferrovia só vai operar a partir do ano que vem.

- Queremos crer, com as garantias da presidente Dilma, que os recursos estão assegurados, que em janeiro de 2012, ano que não tem eleições presidenciais, essa obra esteja concluída - afirmou Gomide.

Como no caso da Norte-Sul, outras promessas foram feitas por Lula, cabo eleitoral número um de Dilma, ao longo do ano passado, principalmente no segundo semestre.
Prazos foram dados e expectativas foram criadas.
Porém, os canteiros de obras mostram, em muitos casos, uma história diferente daquela vendida no ano das eleições.


Quando esteve em Vitória, no Espírito Santo, em 15 de julho de 2010, Lula se valeu do prestigiado Batalhão de Engenharia do Exército, que põe a mão na massa quando emergem os desvios em contratos públicos, para criar expectativas sobre a reforma da pista do aeroporto da capital capixaba.
Com o Exército, a obra da pista começaria imediatamente.


"Eu trabalho com a certeza que em agosto (de 2010), o Exército começa as obras na pista do Aeroporto de Vitória. É um atraso absurdo que aconteceu em Vitória, como também em Goiânia", disse Lula.

Na última sexta-feira, a Infraero apresentou o quadro atual:
o projeto de engenharia deve ficar pronto em agosto, mas agora deste ano.
A obra "pode" começar em outubro
, frisou a estatal.


Rodovia no ES também atrasada

Ainda em Vitória, em entrevista ao jornal "A Gazeta", o então presidente afirmou que a obra de adequação do contorno rodoviário da capital capixaba, na BR-101, seria concluída em junho de 2011.

Mas, segundo dados extraídos do Sistema Integrado de Informações Financeiras (Siafi), de R$30,6 milhões autorizados no Orçamento de 2011, nenhum centavo ainda foi pago.
A conclusão dos trabalhos deve ocorrer apenas em 2012.


Em suas andanças em ano eleitoral, Lula se viu diante de um impasse quando foi a Santa Catarina inaugurar quatro trechos da duplicação da BR-101, entre Palhoça (SC) e a divisa com o Rio Grande do Sul.

Em 13 de setembro de 2010, diante da complexidade da obra de 249 quilômetros - com túneis e pontes - Lula decidiu trocar a fixação de prazo por pesadas críticas à fiscalização e aos órgãos ambientais.
Chegou a condenar o que chamou de "indústria da fiscalização".


"Nós criamos uma indústria de fiscalização e de proibição que é uma coisa maluca. (...) E eu, junto com vocês, ainda iremos ver essa estrada toda duplicada", frisou, ao explicar porque não poderia fazer a promessa:
"Em campanha política as pessoas podem falar tudo. A única coisa que as pessoas não podem prescindir é de falar a verdade".


O balanço do PAC informa que o conjunto de obras da BR-101 (SC) será concluído em julho de 2012. Questionado, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) informou que a obra termina no final de 2013.

Entretanto, o secretário-executivo de Articulação Nacional do governo do estado, Acélio Casagrande, afirma que a duplicação deve terminar só em 2015. Além dos obstáculos ambientais, o Dnit teria identificado um grave problema nos contratos:


- As empreiteiras mergulharam os preços e, agora, não conseguem executar a obra. Entregamos documentos ao Dnit pedindo para agilizar as obras, mas está difícil. A perspectiva é finalizar a obra em 2015 - afirmou o representante do governo do estado.

Apesar do fosso que separa os prazos dos discursos e o ritmo das máquinas, o governo mantém o fluxo de investimentos em obras pelas quais Lula passou na reta final da disputa presidencial. No caso da BR-101 (SC), a União pagou, em 2010, 70% do valor autorizado no Orçamento. Este ano, executou 19,7% do total previsto até dezembro.

Em outras cinco obras - a ferrovia Norte-Sul, a adequação do contorno rodoviário de Vitória (ES), a expansão do Trensurb em Novo Hamburgo (RS), a recuperação do molhe do Porto de Itajaí e o rebaixamento da linha férrea de Maringá (PR) -, a execução ficou em 92,8% do previsto no ano passado.

Em 2011, a execução dos mesmos empreendimentos - excluindo o molhe do Porto de Itajaí - estava em 15,1% do montante autorizado para ser gasto até dezembro, segundo dados do Siafi atualizados no último dia 5 de maio.

Roberto Maltchik /O Globo

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