"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

maio 27, 2011

GOVERNO 1,99 E MAMBEMBE TUTELADO E REFÉM DA "CLIENTELA".



Com desenvoltura, o ex-presidente Lula desembarcou em Brasília para assumir a coordenação da defesa do governo na sucessão de denúncias sobre consultorias prestadas pelo ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci. Bem ao seu estilo, acusou supostos interesses oposicionistas da "imprensa" e disse vislumbrar grave crise institucional a depender do desdobramento dos fatos.

Um exagero. Se o governo Dilma for transformado em teatro de marionetes ou de ventríloquos, em que alguém puxa os cordéis e fala por trás da cena em nome da presidente, aí sim será preparado o terreno para crises institucionais.

Dilma Rousseff reapareceu ontem em público, ao lado de Palocci, no Planalto, na solenidade de lançamento do programa Caminho da Escola. Defendeu o ministro e, espera-se, começou a dispersar a desagradável sensação de ausência de governo. Como, enquanto se acumulavam denúncias, Palocci se mantinha desaparecido, e Dilma, talvez debilitada pela pneumonia, despachava do Alvorada, surgiu um vácuo preenchido com a chegada de Lula a Brasília. Sua ainda forte força gravitacional preencheu os vazios.

O imobilismo da presidente, não importa por qual motivo, facilita a pressão da clientela acostumada ao toma lá dá cá. Sintomático que Lula, na mediação entre Palácio e bancada, tenha ouvido um rosário de reclamações contra o distanciamento de Antonio Palocci.

Tradução: demora na resposta da Casa Civil a pedidos de nomeações, liberação de emendas parlamentares, coisas do varejo do clientelismo em voga nos últimos anos em Brasília. Nesse sentido, é mau sinal que Dilma tenha mandado suspender a produção e a distribuição de material do MEC e do Ministério da Saúde destinado a combater a homofobia nas escolas.

Pode ser que o conteúdo de filmes e cartilhas necessitasse de alguma revisão. O negativo é tomar a decisão de suspender o material apenas para satisfazer a bancada de evangélicos no Congresso, a fim de obter, em troca, ajuda na rejeição a qualquer convocação de Palocci para prestar esclarecimentos.

A capitulação a pressões é tão grave que o ministro da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, anunciou que os grupos religiosos serão sempre consultados sobre medidas tomadas no campo dos costumes. O Estado perde, em alguma medida, seu caráter laico.

Quando assuntos tão diversos são barganhados desta forma, o Executivo fica sem bússola, passa a agir de maneira pontual, sem visão estratégica, condicionado apenas pelos interesses clientelistas da base. O esquema político no poder há oito anos é responsável por tudo isso, pois construiu a bancada por meio dessas práticas.

Mas não significa que tenha de continuar a seguir as regras do jogo. O governo aceitará, por exemplo, prejudicar o combate à inflação e abrir os cofres do Tesouro para atender a demandas de grupos?

Com cinco meses de administração, Dilma enfrenta mais um teste, depois de vencer o da definição do salário mínimo. A clientela do governo quer saber até onde pode ir na chantagem em torno da defesa de Palocci. Mas, assim como não há no horizonte o curto-circuito institucional enxergado por Lula, a tal crise das denúncias contra o ministro é, na verdade, uma bolha.

Pode estourar ou ser esvaziada, a depender das imprescindíveis explicações do ministro. E o governo seguirá em frente, sem a necessidade de tutelas.

O Globo

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