O Congresso Nacional não julgou as contas do governo federal dos últimos oito anos. Isso significa dizer que nenhuma conta apresentada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em seus dois mandatos, foi apreciada pelos parlamentares.
A prestação de contas do último ano do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também aguarda para entrar na pauta de votação do plenário da Câmara dos Deputados.
O pior é que não são apenas as contas do governo federal que dormem nas prateleiras do Congresso, à espera da atenção de deputados e senadores. As contas do presidente do Supremo Tribunal Federal, do presidente do Superior Tribunal de Justiça, do Ministério Público da União e até mesmo dos presidentes do Senado e da Câmara relativas a vários exercícios estão dependendo da boa vontade dos líderes partidários para entrar na pauta de votação das duas casas do Legislativo.
A apreciação dessas contas parece uma mera formalidade, mas não é. A Constituição determina que o Congresso Nacional deverá julgar anualmente as contas prestadas pelo presidente da República. A lei complementar 101/2000, também conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), passou a exigir que os presidentes dos demais poderes prestassem contas também ao Legislativo.
Essa prerrogativa de julgar as contas está diretamente relacionada com uma das principais atribuições do Congresso, e uma de suas razões de existir, que é a de fiscalizar o uso do dinheiro público. Ao se omitir nesse julgamento, o Legislativo está simplesmente abrindo mão do exercício da fiscalização.
A pouca atenção dada pelos parlamentares à prestação de contas não é um bom estímulo à responsabilidade fiscal dos gestores e pode ser entendida pelo cidadão como menosprezo ao bem público.
Há um caso extremo que merece registro. Até hoje, o Congresso Nacional não julgou as contas do ex-presidente Fernando Collor referentes ao período que vai de 1º de janeiro a 29 de setembro de 1992.
O parecer apresentado rejeita a prestação de contas do ex-presidente. Mas, passados quase 20 anos, o parecer não foi votado.
A prestação de contas do ex-presidente Itamar Franco relativas ao período de 29 de setembro a 31 de dezembro também não foi votada. Neste caso, o parecer é favorável à aprovação das contas.
Pouco antes de deixar o cargo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tomou o cuidado de pedir ao líder de seu governo na Câmara, o então deputado Arnaldo Madeira (PSDB -SP), que negociasse com os demais líderes partidários a apreciação das contas de seu governo que ainda estavam pendentes de julgamento.
Isso foi feito em 2002.
Mas as contas relativas ao último ano do governo FHC, que só foram apresentadas em 2003, ainda estão para ser apreciadas.
Um aspecto político dessa questão precisa ser considerado. Ao deixar em aberto a prestação de contas de um chefe de Executivo, o Legislativo mantém, em certa medida, o administrador que deixa o cargo em permanente estado de tensão, assim como o seu partido.
Uma mudança na correlação das forças partidárias dentro do Parlamento pode levar, em situações limites, a uma rejeição das contas de um determinado exercício. Essa rejeição tornaria a pessoa que deixou o cargo inelegível.
O ex-presidente Lula não teve o cuidado de seu antecessor. Todas as suas contas ainda estão para ser apreciadas pelo Congresso, o que certamente demandará empenho do atual governo e a compreensão da base aliada.
Acrescente-se a isso o fato de que, em alguns anos, o parecer prévio feito pelo Tribunal de Contas da União (TCU) fez ressalvas importantes às contas apresentadas pelo governo Lula.
De 2003 a 2006, o TCU constatou, por exemplo, que não foi observada a aplicação mínima de 30% dos recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino (a que se refere o artigo 212 da Constituição) na erradicação do analfabetismo e no desenvolvimento do ensino fundamental.
O problema ficou ainda mais complicado nos últimos anos, pois as contas do governo federal relativas à 2007 e 2009 sequer foram apreciadas pela Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional, que é o primeiro passo do processo de julgamento. Sem ser votada nessa comissão, as contas não podem ser apreciadas em plenário.
O Brasil vive, portanto, a situação de ter uma legislação rigorosa em matéria fiscal, que determina aos chefes dos poderes encaminhar prestações de contas anuais ao Legislativo, que as recebe e simplesmente as engaveta.
Nos últimos anos, o Brasil avançou bastante em sua legislação fiscal e na transparência das contas públicas. Falta, agora, o Congresso voltar a exercer a sua prerrogativa de fiscalizar a aplicação do dinheiro público.
Uma omissão de oito anos.
Ribamar Oliveira Valor Econômico
Repórter especial em Brasília e escreve às quintas-feiras
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