Ninguém sabe ao certo o que esperar da proposta do governo de privatizar os aeroportos do país. A intenção - correta - foi anunciada pelo ministro-chefe da Casa Civil numa sessão solene, a primeira reunião do Conselhão, ocorrida anteontem.
Mas os detalhes, onde o diabo se esconde, só serão conhecidos nas próximas semanas ou meses. O modelo pode demorar mais do que o desejável para sair e pode, também, resultar em um monstrengo em que ao contribuinte restará pagar a conta. Possivelmente, a privatização dos terminais magnetizará a atenção da opinião pública nos próximos meses.
O assunto interessa à classe média que hoje pena nos nossos caóticos aeroportos. Interessa a companhias e empresas atraídas por negócios bilionários. Interessa ao governo, doido para se livrar do ônus dos atrasos e da má organização que hoje impera no setor sob a égide da Infraero, mastodonte de 20 mil funcionários.
O foco atual recai em especular qual, ou quais, sistema será adotado pelo governo Dilma Rousseff. Por ora, conhece-se apenas o elogiável propósito de fazer as concessões, que, especula-se, podem vir por meio de distintos modelos de exploração.
Mas desconfia-se que o PT, viciado por décadas de cacoete antiprivatista, claramente não saiba como agir. Aí é que mora o perigo: o governo tende a improvisar onde não cabe. Uma empreitada desta envergadura destina-se a ser um marco na evolução econômica do país.
Como aconteceu, por exemplo, nas comunicações. O governo de Fernando Henrique Cardoso percebeu a exaustão do decadente modelo estatal e partiu para enfrentar o desafio de alterá-lo. Diante da constatação, montou um arcabouço legal abrangente e criterioso.
Tudo foi feito com metas de qualidade e atendimento, incumbências aos investidores. O resultado foi uma verdadeira revolução, não só no setor como na economia como um todo. Onde estaríamos hoje sem celulares e internet - cuja expansão o governo federal agora quer novamente avocar para si, mas cuja implementação foi, mais uma vez, adiada ontem?
A mudança no setor aéreo exige fôlego semelhante. É preciso instituir-se um marco legal que exprima regras claras e estáveis para que o investimento venha, mas, principalmente, para que o usuário tenha seus direitos respeitados na forma de atendimento de qualidade.
Mas, na pressa com que se vê obrigado a agir, o governo federal poderá acabar atendendo um dos interesses, mas relegando o outro. Por ora não se sabe, por exemplo, se as concessões abrangerão somente a construção de terminais de passageiros ou também pistas e áreas de estacionamento.
Não se sabe se irão estender-se às estruturas já existentes nos aeroportos ou apenas às novas expansões. Sabe-se apenas que agora o governo quer fazer tudo rápido, para tentar remediar a lambança das deficiências que já existem e de atrasos que se avizinham.
Não foi por falta de aviso que os problemas nos aeroportos vicejaram. A oposição sempre defendeu a exploração privada como melhor alternativa para o bom funcionamento dos terminais aéreos do país. Disse isso com todas as letras na campanha eleitoral do ano passado.
O mesmo PT que então achincalhou a proposta apresentada agora a acolhe. Fosse honesto, pediria desculpas aos eleitores que enganou. Resta a dúvida de como o cristão novo se comportará na missa. Premido pela pressa, o governo tende a lançar mão de remendos.
Em lugar de terminais duradouros, os puxadinhos, como preveem os planos atuais da Infraero. Na mais provável das hipóteses, o custo irá às alturas: quando se paga com urgência, como na situação à qual a inércia e os dogmas do PT nos conduziram, o preço sai bem mais caro.
O governo promete soltar os editais referentes às concessões dos cinco principais aeroportos brasileiros - Cumbica (SP), JK (DF), Confins (MG), Viracopos (SP) e Galeão (RJ) - até julho. Pelo grau de improviso que se viu até hoje, pode ser que não consiga: em São Gonçalo do Amarante (RN), primeiro aeroporto concedido à iniciativa privada no país, a Casa Civil levou seis meses para publicar o decreto com o modelo a ser adotado, primeiro passo do cronograma; até hoje a licitação ainda não saiu.
É bom ficar atento ao que o governo federal fará doravante. Bem administrados, aeroportos tendem a ser excelente negócio - só a exploração comercial das instalações já produz receita de monta para as empresas que os operam.
O risco maior é o filé ir para as empresas e o osso sobrar na mão do Estado, que, a depender do arcabouço montado, ainda pode arcar com custos de obras, manutenção e melhoramentos em vários aeroportos.
De boas de intenções, o inferno está cheio.
Fonte: ITV
Nenhum comentário:
Postar um comentário