É preciso ser versado em "diplomatiquês" para enxergar resultados significativos na visita da presidente Dilma Rousseff à China.
Outra opção é recorrer a porta-vozes oficiais prontos para traduzir em versões convenientes ao governo brasileiro as embromações que constam do comunicado conjunto firmado ontem entre os dois países.
Muito do que lá está é puro vento.
A começar pelo "apoio", segundo algumas leituras, supostamente dado pelos chineses à pretensão brasileira por um assento no Conselho de Segurança da ONU.
O trecho do comunicado mais destacado pela imprensa brasileira sobre o assunto foi este:
"A China atribui alta importância à influência e ao papel que o Brasil, como maior país em desenvolvimento do hemisfério ocidental, tem desempenhado nos assuntos regionais e internacionais, e compreende e apoia a aspiração brasileira de vir a desempenhar papel mais proeminente nas Nações Unidas."
O Estado de S.Paulo tratou o assunto em manchete. Disse que "Pequim deu um passo adiante ao tratar da defesa do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU", mas lembrou que tal apoio já vem de tempos atrás e nunca passou de mera "retórica".
Já a Folha de S.Paulo lembrou que "trata-se de posição semelhante à adotada há cerca de um ano, quando o dirigente máximo da China, Hu Jintao, visitou o Brasil", ainda no governo Lula. Até hoje, não passou disso. Na leitura do jornal, o Brasil até agora "não obteve o respaldo chinês" à vaga na ONU.
Já segundo O Globo a declaração chinesa teria sido "a segunda vitória de Dilma em relação ao tema". O jornal escorou-se na "avaliação de um alto funcionário do Itamaraty" para chegar a esta conclusão. Só podia.
Dentro desta visão, edulcorada no mais puro diplomatiquês, a "primeira vitória" teria sido a declaração de Barack Obama, durante visita ao país em março, de "apreço" pela pretensão brasileira.
Vitórias de Pirro, como se vê.
O comunicado conjunto também é frouxo naquilo que mais interessava aos brasileiros:
melhorar os termos das trocas comerciais entre os dois países. Diz o texto diplomático que "a parte chinesa manifestou disposição de incentivar suas empresas a ampliar a importação de produtos de maior valor agregado do Brasil".
Nada poderia ser mais etéreo.
Foi preciso que a presidente brasileira reforçasse a leitura positiva do texto, em entrevista à imprensa, na tentativa de dar ares mais verossímeis à possibilidade de os chineses alterarem alguma coisa de sua política de comércio com o Brasil. Disse ela que "o que valer para o Brasil, vale para a China e vice-versa".
Difícil crer, como já havia demonstrado anteontem Robson Andrade, presidente da CNI e um dos quase 250 empresários que compõem a missão brasileira à China:
"Os chineses definem o que querem importar e da maneira que querem".
Ou como desnuda um diretor da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China ouvido por Miriam Leitão :
"A visita de Dilma não vai levar a nenhuma mudança drástica nas relações comerciais entre os dois países. O Brasil continuará vendendo commodities e a China, manufaturados".
Um dos itens mais comemorados foi o anúncio - que saiu da boca de um ministro brasileiro pré-candidato às eleições de 2012 - de que uma gigante chinesa aportará US$ 12 bilhões para fabricar telas de cristal líquido no Brasil.
Não se sabe muita coisa a respeito, exceto que na planta que tal empresa mantém em Shenzhen, perto de Hong Kong, nove trabalhadores se mataram em razão das péssimas condições de trabalho...
Afora isso, os chineses, por exemplo, "não deram resposta à reivindicação dos produtores de aço brasileiro, que se queixam da recusa em autorizar investimentos no setor siderúrgico chinês" - que responde por 44% da produção mundial, segundo o Valor Econômico.
Em contrapartida, prometeram concluir "de forma expedita" os trâmites burocráticos para autorizar produtores brasileiros a vender "gelatina, milho, folha de tabaco da Bahia e de Alagoas, embriões e sêmen de bovinos e frutas cítricas". Com tamanha generosidade chinesa, do que mais o Brasil poderia se queixar?
Já sobre a defesa dos direitos humanos, que Dilma quer alçar à condição de marca de sua política externa, o comunicado conjunto também não trouxe quase nada. A referência ao tema foi "genérica e lacônica", de acordo com o Estadão.
"O assunto é abordado como se fosse uma questão de garantir a inclusão social e a distribuição de renda. Em nenhum momento se trata da falta de liberdade de expressão e das violações nessa seara", registra o jornal.
Até agora, não houve qualquer referência de Dilma ou do Itamaraty à mais nova onda de repressão chinesa contra dissidentes políticos, desencadeada desde fevereiro por Pequim como uma espécie de salvaguarda contra o risco de que as manifestações pró-democracia no mundo árabe também seduzissem os chineses.
Diz O Globo que "organizações chinesas de defesa dos direitos humanos calculam que, nas últimas quatro semanas, cerca de 50 pessoas foram presas ou desapareceram sob a custódia de autoridades".
A missão brasileira deu de ombros.
Felizmente, o Itamaraty também utilizou sua habilidade de versar em diplomatiquês para não alimentar a pretensão chinesa de ter sua economia reconhecida como "de mercado".
Trata-se de algo que Lula prometeu em 2004, mas até hoje não saiu do papel. Se os chineses já inundam as prateleiras brasileiras com suas quinquilharias, se ganharem tal reconhecimento não sobrará empresa brasileira em pé para fazer-lhes frente.
Fonte: ITV
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