"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

fevereiro 24, 2011

ASSALTO "POR DENTRO".

Você utiliza serviços de telecomunicações no Rio, no valor de R$100,00, sobre os quais incidem impostos (ICMS, estadual, PIS e Cofins, federais) de 33,65%.
Logo, sua conta mensal será de R$133,65, certo?

Errado.

Aqui não valem nem a matemática tradicional nem o bom senso. Aquela conta, na verdade, será de R$150,71.
O truque é o seguinte:
calcula-se o imposto sobre o preço total do serviço incluindo previamente o imposto.
Parece absurdo, e é.
Você paga imposto sobre o imposto.
Mas é assim que se faz há muito tempo, especialmente com o ICMS.

A questão era a de sempre.
Como aumentar a arrecadação para cobrir os gastos crescentes?
Detalhe:
a alíquota do ICMS é fixada em lei e no Confaz, conselho que reúne os secretários estaduais de Fazenda.
É difícil mudá-la.

Foi aí que um talento das contas públicas inventou o "cálculo por dentro".
Isso mesmo, uma fórmula matemática que faz o milagre:
acrescenta ao preço "líquido" do produto (ou serviço) o valor do imposto e recalcula o imposto sobre o preço total.
O passo seguinte foi conseguir interpretações dos tribunais dizendo que esse cálculo é legal.

Não passa no teste da boa lógica ou do simples bom senso.
O imposto incide sobre o valor da mercadoria - e ponto final.
Está na cara que colocar o imposto no preço e recalcular é um truque para cobrar duas vezes.
O resultado é que se cobra uma alíquota acima do estipulado na lei.

Eis um exemplo, apanhado numa conta de telefone celular de S.Paulo, onde o ICMS é de 25% - e já pedindo desculpas ao leitor pelo excesso de números.
Na nota fiscal está escrito que o valor do ICMS é de R$98,22 - que são 25% sobre uma base de cálculo, ali referida, de R$392,88, valor total a ser pago pelo usuário.

Ora, retirando-se desse total o valor do imposto, dá o preço líquido do serviço, certo? Temos então:
preço líquido do serviço, R$294,66; valor do imposto, R$98,22.
Portanto, o imposto efetivamente cobrado representa 33,33% - uma alíquota ilegal.

Como é que isso passa nos parlamentos e nos tribunais? Porque estão todos - deputados, senadores, juízes e mais o Executivo - sempre em busca de dinheiro dos contribuintes para gastar mais.

E por que essas alíquotas turbinadas se aplicam preferencialmente sobre telecomunicações?
Porque é dinheiro certo.
É fácil arrecadar.
O governo não faz nada.

A concessionária, uma operadora, calcula a conta, o imposto, cobra, recebe, separa a parte do governo e manda uma TED para a Receita.
São meia dúzia de operadoras, de modo que é fácil fiscalizar.

A mesma situação ocorre na distribuição de energia elétrica. Imposto alto e turbinado.

Resultado:
custo Brasil elevado em setores cruciais para a produtividade da atividade econômica, sem contar o peso no orçamento das famílias.

Há uma reclamação constante - inclusive feita por gente do governo - que telefones, internet e banda larga no Brasil são muito caros. Verdade. Mas é preciso acrescentar:
os impostos estão entre os mais altos do mundo.

Não por acaso, telecomunicações representam nada menos que 12% da arrecadação de ICMS. Incluindo energia elétrica e combustíveis, vai a 50%.
Ou seja, os governos estaduais vivem de impostos que encarecem a atividade econômica e o custo de vida.

O SindiTelebrasil, entidade que representa as operadoras privadas, observa que os impostos sobre telecomunicações são maiores do que aqueles cobrados sobre cigarros, bebidas e cosméticos.

Considerando-se o ICMS e as contribuições federais, PIS e Cofins, a tributação efetiva ("por dentro") paga pelo usuário de telecomunicações varia de 40 a 50%.
Em Rondônia chega a 63%, mas é caso único.
(...)
De todo modo, é para todo o país que a carga tributária é um peso descomunal, por qualquer ângulo que se observe. E é difícil acreditar quando a presidente e membros do governo falam em reduzir impostos, ao mesmo tempo que se comprometem com gastos maiores.

O passo mais importante, inicial, seria estabelecer um programa de longo prazo de redução do tamanho do setor público.
Estabelecer, por exemplo, a regra de que o gasto público crescerá sempre abaixo do ritmo de expansão da economia. Aí, sim, se poderia falar da necessária redução de impostos.

Carlos Alberto Sardenberg O Globo

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