"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

novembro 18, 2010

VENCIMENTO, VERBA E MORDOMIAS.NO BRASIL, QUEM NÃO GOSTARIA DE SER UM "POLÍTICO"?

O debate sobre o reajuste do salário dos deputados e senadores, que ocorre a cada quatro anos, ocupa geralmente um espaço desproporcional à sua importância.

É claro que o tema foi notícia das boas em novembro de 2006, quando o então presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), anunciou, num ato desatinado, um aumento de 90%, contra inflação de 30% nos quatro anos anteriores.


Os vencimentos iriam para R$ 24,5 mil, sendo equiparados aos dos ministros do Supremo Tribunal Federal.
Depois de apanhar muito da mídia, Aldo se contentou com os atuais R$ 16,5 mil.

Neste ano, os líderes dos partidos falam em reajuste de 17,8%, levando o salário para R$ 19,4 mil.
Parece razoável.


O exagero não está no contracheque, mas nas mordomias oferecidas aos parlamentares.
A primeira questão a ser discutira sobre remuneração é se deputados e senadores devem receber salários.
É claro que devem, embora alguns lunáticos defendam o contrário.


Se esse dinheiro não sair dos cofres do Tesouro Nacional, certamente vai sair dos cofres de empreiteiras que tocam obras públicas, de bancos que têm interesse numa regulamentação favorável do sistema financeiro, de empresas interessadas em anistia de multas, enfim, de quem tem algo a conseguir do Congresso Nacional.
(Obs.: na minha opinião entra do mesmo jeito,mais do que vencimentos ou "verba"de gabinete, os ""meandros políticos" é que são as maravilhas de um mandato)

Posto isso, é preciso acrescentar que o salário deve ser justo. Será para aqueles que realmente trabalham, não importando o seu valor monetário. A reposição de inflação dos últimos quatro anos parece ser a única fórmula aceitável.


É mais importante analisar a necessidade de uma verba de gabinete de R$ 60 mil mensais. Em média, são 22 funcionários por gabinete. Somados, são cerca de 11 mil servidores sem vínculo com a Câmara.


Vários deputados contratam o número máximo de secretários parlamentares: 25. Quem percorre os gabinetes pode verificar que ali não trabalham mais do que 10 assessores, isso considerando dois turnos de trabalho.

Grande parte está lotada nos escritórios nos estados, atuando mais como cabo eleitoral do que qualquer outra coisa.


Os parlamentares ainda contam com passagem aérea, aluguel de carros e aviões, cota de correspondência e telefone, divulgação, gasolina, alimentação.
Mobília
Para completar o saco de bondades, há os apartamentos funcionais. Quem não consegue um, recebe o auxílio moradia de R$ 3 mil.

Tudo bem que a Câmara ofereça moradia para os deputados em Brasília, mas o imóvel precisa ter 225m²?

A maioria deles não traz a família para a capital federal.
Alguns transformam o apartamento em hotel de viagem para eleitores dos estados de origem.


O ex-presidente Severino Cavalcanti (PP-PE) era um deles.

Outros montavam repúblicas de dois ou três deputados. O imóvel ficava no nome de um, mas todos dividiam as despesas.

Essa farra com inspiração estudantil já acabou. Pelo menos é o que consta.
Não satisfeita, a Câmara compra a mobília e os eletrodomésticos. Também daria para entender, mas precisa comprar microondas e liquidificadores?
Até os espelhos e as cortinas dos imóveis são comprados com dinheiro do contribuinte.
Os deputados não trocam nem os vidros quebrados.


Na próxima compra, para atender os 144 apartamentos que ficarão prontos no próximo semestre, após uma demorada reforma, serão gastos R$ 3,6 milhões em móveis.


Em cada sala de jantar, haverá 10 cadeiras, ao custo total de R$ 5,5 mil.
Considerando a mesa e o bufê, o custo ficará em R$ 11 mil por moradia. Dinheiro suficiente para construir uma casa popular.

E ainda faltam os sofás e mesas, que custarão outro tanto.


A cada três ou quatro anos todos conhecem o destino desses móveis. São oferecidos em leilões públicos a preços irrisórios, tamanho o estado de degradação.


Em setembro deste ano, foi torrado mais um monte de sucata. Um lote com fogão de seis bocas, forno a gás, refrigerador, cafeteira, exaustor, foi oferecido por R$ 150. Os deputados não compram nem fazem a manutenção dos equipamentos.


Os serviços de limpeza, vigilância, portaria e garagem são perfeitos. A Câmara também paga a conta da luz, da água e do gás.
Num prédio privado, com os serviços oferecidos, o valor do condomínio não ficaria por menos de R$ 1 mil.


Na casa oficial do presidente da Casa, são pagos até o serviço de internet e o piscineiro.


Por tudo isso, o aumento do salário torna-se um assunto menor.

O que a sociedade precisa discutir é se realmente é necessária e justa toda essa mordomia.


Lúcio Vaz/Correio Braziliense.

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