"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

outubro 25, 2010

ELEIÇÕES :ANO APOTEÓTICO,ILUSIONISMO CONTÁBIL, CANDIDATA IMAGINADA NAS RODADAS DE BEBIDAS FORTES... MORAL DA HISTÓRIA? SÓ DEUS SABE!



Quem quiser uma dose especial de otimismo deve folhear o relatório Economia Brasileira em Perspectiva, edição de agosto/setembro, distribuído na semana passada pelo Ministério da Fazenda.

Com pouco texto e muitos gráficos e tabelas, o documento mostra um país avançando de vento em popa, com desempenho econômico invejável, contas públicas mais saudáveis que as do mundo rico e poucos sinais de perigo pela frente.

O próximo governo, a julgar pela mensagem, encontrará um Brasil em perfeita ordem, pronto para vencer qualquer turbulência e para se manter em crescimento por muitos anos.

De fato, a economia brasileira passou sem grande estrago pela crise internacional, voltou a crescer em pouco tempo, criou, de janeiro a setembro, 2,2 milhões de empregos formais e a inflação continua administrável.

Mas nem tudo é cor-de-rosa.

E esse quadro poderá mudar com alguma rapidez, se o governo continuar gastando de forma irresponsável, praticando o ilusionismo contábil e deixando as contas externas deteriorarem-se por falta de uma política de competitividade.

O Ministério da Fazenda elevou de 6,5% para 7,5% a previsão de crescimento do PIB neste ano, e de 5,7% para 5,9% a expansão média projetada para os anos 2010-2014.

O dinamismo da economia dependerá do investimento em máquinas, equipamentos, instalações produtivas e infraestrutura.

Até o fim do ano, segundo as novas estimativas, o País terá investido 19,1% do PIB.

A proporção deverá ficar pouco acima disso nos próximos anos.

Se o documento fosse um pouco mais realista, mostraria a necessidade de investimentos bem maiores - em torno de 25% do PIB - para a economia crescer de forma segura, sem gargalos, sem pressões inflacionárias e sem risco de crise nas contas externas.

Mas isso dependerá não só das oportunidades abertas ao setor empresarial, o único envolvido seriamente na ampliação da capacidade produtiva.

Dependerá também de um manejo melhor das contas públicas e de um aumento da poupança do governo.

O relatório passa longe desses detalhes.

Ao contrário.

Festeja o desempenho fiscal do Brasil.

De fato, o déficit público brasileiro é hoje muito menor que o da maior parte dos demais países do Grupo dos 20 (G-20).

Mas a maioria desses países tem infraestruturas muito melhores que a do Brasil.

Os emergentes mantêm taxas de investimento geralmente maiores e com resultados muito mais vistosos, no setor público, do que as obras até agora realizadas pelo PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento.

Por isso, e por outros fatores - como o maior empenho na formação da mão de obra e políticas tributárias mais inteligentes -, a maior parte dos países do G-20 é mais competitiva que o Brasil.

O poder de competição da economia brasileira está concentrado no setor empresarial, tanto do campo quanto da cidade.

O entorno das empresas - condições logísticas, padrão educacional, eficiência do setor público, tributação, etc. - entrava o setor produtivo e o enfraquece perante os competidores.

A solução desse problema depende, em boa parte, de uma drástica melhora da política fiscal e da condução da máquina pública.

A obtenção do superávit primário tem dependido, há muitos anos, da elevação da carga de impostos. Neste ano, também os dividendos pagos pelas estatais têm sido essenciais para o fechamento das contas.

A piora das contas externas é atribuível só em parte à valorização do real e à crise nos mercados mais desenvolvidos.

Convém observar com reservas, portanto, o otimismo exibido pelos autores do relatório quando tratam do balanço de pagamentos.

Segundo eles, o déficit em transações correntes - agora estimado em US$ 49 bilhões em 2010 e US$ 59 bilhões em 2011 - "é passageiro e não compromete o crescimento".

Se as projeções estiverem certas, esse déficit corresponderá a 2,7% do PIB no próximo ano. Será, em condições normais, facilmente financiável.

Mas poderá transformar-se rapidamente em grave problema, se o mercado continuar observando uma gestão imprudente das contas públicas, a erosão das bases da estabilidade e a manutenção de políticas prejudiciais à competitividade de nossas empresas.

Nenhuma exibição de otimismo eliminará esses dados da realidade.

O Estado de S. Paulo

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