"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

outubro 29, 2010

CAUDILHISMO CAMUFLADO

Na vida dos países, como na nossa, é fundamental a presença de lideranças formadoras do caráter dos cidadãos: a família, os professores, os religiosos, os governantes, os representantes no Legislativo e nos sindicatos, os dirigentes de empresas, os companheiros de trabalho.

Enfim, o ambiente que nos cerca durante nossa existência. Nesse ambiente o que vale, principalmente, são os exemplos, o testemunho de vida, o temor a Deus e à Justiça.

Só assim o ser humano aperfeiçoa a sua alma, pauta o seu comportamento, distingue entre o certo e o errado e, com sabedoria, guarda esses valores. A palavra só tem força quando é a expressão de tais valores.

(...)

Nós aqui, no Brasil, temos um "Muro de Berlim" a derrubar: nosso sistema eleitoral.

Esse muro da vergonha, herdado do ditador Vargas, continua a envergonhar o País e impede o aperfeiçoamento do caráter dos nossos políticos.

Na realidade, mesmo nos períodos ditos democráticos, o voto proporcional é uma vergonha.

Sem a adoção do voto distrital vamos continuar com a proliferação insensata de partidos de aluguel, partidos sindicais, partidos fundamentalistas, partidos ditos nacionais, partidos "internacionais", partidos ligados a movimentos subversivos, enfim, uma geleia geral!

A maioria deles existe apenas para ganhar preciosos minutos de rádio e TV, pagos com o dinheiro do povo e apelidados de gratuitos.

Sem a adoção do voto distrital os custos das campanhas continuarão exorbitantes, jogando todo o processo eleitoral na vala enlameada do uso vexaminoso do dinheiro público.

O voto é obrigatório, livre e secreto. Mas com o voto proporcional o caixa 2 também é obrigatório e secreto.

E quando alguém fala, hoje, em financiamento público de campanha, é de apavorar!

Faço estas considerações no momento em que se aproxima o dia D do segundo turno. Qualquer resultado, para mim, vai significar dias muito difíceis para todos nós.

O Senado (já quase todo composto), a Câmara dos Deputados e as Assembleias Legislativas que emergiram das votações no dia 3 de outubro, tudo leva a crer que em matéria de qualidade a piora foi muito acentuada. É o voto proporcional.

Em toda a minha vida de cidadã, esta foi a mais desalentadora de todas as eleições. (A minha também)

A mão pesada do Estado está comandando tudo.

O presidente transformou-se em artista de palanques.

A candidata que ele impôs a seu próprio partido oferece um espetáculo doloroso de arrogante submissão.

A oposição, por sua vez, confusa e sem garra, apresenta apenas a biografia de um político muito sério, mas não de um estadista.

É pouco para os anseios brasileiros.

Chega a ser frustrante.

O que salta aos olhos é que o Brasil está sem valores!

A avaliação internacional do povo brasileiro, na questão de ser capaz de perceber a corrupção, e de se insurgir contra ela, chega a ser constrangedora!

Figurar entre os povos mais corruptos do planeta é de chorar de vergonha.

Em momento algum qualquer dos candidatos assumiu compromisso quanto à reforma do sistema eleitoral. É tabu!

O voto proporcional é a garantia dos caudilhos enrustidos, dos ditadores potenciais, dos que aspiram mandar sem ter de dar satisfações.

É a mais feroz distorção do sistema democrático de representação da vontade do eleitor. Por isso mesmo será mantido.

O uso da urna eletrônica dá a muita gente a impressão de que nossas eleições são corretíssimas e a vontade dos eleitores é respeitada.

Mentira! Embuste!

Enquanto vivermos neste presidencialismo quase caudilhesco, com um titular que, com sua caneta mágica, nomeia da noite para o dia mais de 30 mil funcionários; enquanto Brasília estiver livre da vigilância próxima de um povo atento; enquanto a criação de partidos não depender, de fato, da presença ativa de filiados; enquanto o senador for escolhido juntamente com um vice que ninguém sabe quem é; enquanto a infidelidade partidária não for objeto de punição real; e, principalmente, enquanto votar num candidato, pelo voto proporcional, significar eleger outro e os partidos tiverem direito a horários gratuitos - nosso Muro de Berlim ainda estará de pé.

Original/Íntegra : O nosso Muro de Berlim

Sandra Cavalcanti - O Estado de S.Paulo

PROFESSORA, JORNALISTA, FOI DEPUTADA FEDERAL CONSTITUINTE, FUNDOU E PRESIDIU O BNH
NO GOVERNO CASTELO BRANCO E-MAIL: SANDRA_C@IG.COM.BR

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