O Brasil prepara-se para receber uma nova administração federal.
No cenário das eleições de outubro, todos os candidatos a presidente têm enfatizado que veem no desenvolvimento da infraestrutura um fator essencial para a construção de um País à altura de nossas aspirações.
Temos, portanto, uma bela oportunidade para contar com o apoio do novo líder nacional na difícil tarefa de educar a sociedade para o decisivo papel das tão mal compreendidas e tão maltratadas agências reguladoras.
Sem agências fortes e autônomas o sonho de um Brasil com infraestrutura de Primeiro Mundo continuará a ser postergado.
Entender o papel das agências reguladoras é difícil porque essas instituições de Estado envolvem alguns conceitos complexos e pouco intuitivos.
São conceitos baseados na necessidade de separar governo de Estado e no desafio de explicar que o setor de infraestrutura é regido por uma dinâmica de longo prazo, que segue uma lógica menos parecida com o jogo de damas e mais parecida com o jogo de xadrez.
Quem não consegue pensar quatro ou cinco lances à frente tem dificuldade de entender as atribuições de um regulador.
Entender o propósito das agências reguladoras significa, essencialmente, perceber como as interferências políticas de curto prazo provocadas por atores com agendas individuais e/ou imediatistas destroem valor em setores onde as unidades de tempo são medidas em décadas.
Agências reguladoras são entidades de Estado, e não de governo. Estado é a instituição que paira acima dos sabores ideológicos dos governos, os quais se alternam, no caso do Brasil, a cada quatro anos.
É impossível esperar que uma agência como a Aneel - que regula o setor elétrico e disciplina uma intrincada cadeia de valor que fatura anualmente cerca de R$ 120 bilhões - consiga atuar com autonomia administrativa se não tiver autonomia financeira.
Diante disso, é escandaloso o chamado "contingenciamento de recursos", um eufemismo para a repetida apropriação de recursos tarifários feita pelo governo federal.
Nos últimos três anos, o contingenciamento dos recursos do orçamento destinado à Aneel girou ao redor de dois terços.
Isso significa que o governo tem retido os recursos coletados por um encargo embutido nas contas de luz pagas pelos consumidores, a Taxa de Fiscalização de Serviços de Energia Elétrica.
Ou seja, apenas um terço do dinheiro que deveria ser destinado à Aneel para que ela fiscalize e regule o serviço de eletricidade tem chegado aos cofres da agência.
De duas, uma: ou o governo repassa a totalidade dos recursos à agência ou se reduzam esse encargo e as tarifas de eletricidade, em benefício do consumidor.
Tão importante quanto a autonomia administrativa é a independência decisória, que começa por contar com diretores na Aneel com estatura suficiente para suportar as pressões do cargo e, uma vez tomada uma decisão, sejam capazes de mantê-la.
Qual o segredo para garantir essa altivez?
Selecionar as pessoas corretas, sem trocas políticas, por critérios técnicos e transparentes.
Nada muito diferente do critério que headhunters adotam para selecionar um executivo para cargos de alta direção: formação acadêmica sólida, experiência profissional relevante e uma história pessoal inatacável do ponto de vista ético e de vínculos político-ideológicos que possam contaminar sua atuação na agência.
Terá o próximo presidente da República a sabedoria para resgatar a autonomia administrativa e a independência decisória das agências reguladoras?
Parece paradoxal, mas deve partir da autoridade que mais concentra poder político a responsabilidade de criar agências imunes a interferências políticas.
Com agências autônomas e independentes, o cenário da infraestrutura nacional receberá uma injeção de ânimo e de recursos, permitindo que o Brasil entre numa trajetória de crescimento econômico compatível com nossos sonhos.
Claudio J. D. Sales - O Estado de S.Paulo
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