"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

agosto 19, 2010

NA REALIDADE BRASILEIRA APARECEM SEM EFEITOS ESPECIAIS OS ESQUELETOS DO PAC : UM "PROGRAMA " OPORTUNISTA E DESVIRTUADO, SEM GESTÃO.

O Globo

Não poderia ser mais exemplar - como fruto do desapreço do poder público pelo planejamento e de opção preferencial pelo açodamento em função do calendário político-eleitoral - o fenômeno da transformação de imóveis de uso familiar em estabelecimentos comerciais em Manguinhos.

No Condomínio João Nogueira, casas doadas gratuitamente pelo governo federal por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) viraram bares, quitandas e lojas de ferragens. Um morador montou um açougue na sala de um apartamento térreo, com frigorífico improvisado.

Pelo menos, dois desses imóveis foram sublocados, e os proprietários se mudaram para outra comunidade.

A inadequação imobiliária em obras do PAC, revelada pelo GLOBO na edição de sábado, não é fenômeno pontual.

Fora de Manguinhos, em outra comunidade beneficiada pelo programa, no Morro do Cantagalo, há o registro de pelo menos cinco apartamentos, dos 56 imóveis doados a seus proprietários, alugados a terceiros, em flagrante desrespeito às regras para a concessão das casas.

As normas também proíbem modificações arquitetônicas e sua utilização como estabelecimento comercial.

Punir os proprietários e retomar-lhes os imóveis, como ameaça o governo do estado, parceiro do Planalto nesses empreendimentos, não muda o caráter de um programa que nasceu com o DNA do oportunismo.

Doar imóveis a famílias de baixa e incerta renda não pode ter outro desfecho.

A dinâmica dessas comunidades não demorou a se impor a um projeto implantado sem o planejamento devido, de olho em dividendos eleitorais e, não menos importante, sem levar em conta a realidade sociocultural de nichos habitacionais onde a subsistência dá a tônica com a informalização econômica e urbanística.

A ausência de planejamento não se resume ao desconhecimento de regras próprias de comunidades em que as necessidades do dia a dia não são as mesmas daqueles que elaboraram as intervenções urbanísticas.

Lançado às pressas, o PAC ignorou procedimentos básicos que deveriam ter antecedido a abertura dos canteiros de obras, como remoções (em alguns casos necessárias, mas sempre tratadas como tabu), a expulsão do poder paralelo do crime organizado (não por acaso, em Manguinhos traficantes passaram a cobrar uma "taxa de segurança" aos novos pontos comerciais) e a regularização de atividades econômicas locais (um caminho para incluir pequenos comerciantes na formalização e, pelo recolhimento de taxas, reinvestir os tributos em melhorias nas comunidades).

O açodamento do PAC de favelas também se evidencia na previsível impossibilidade de, a médio e longo prazos, haver a devida manutenção dos equipamentos construídos, numa repetição de programas semelhantes - como o Favela Bairro -, implantados com fanfarras, mas estruturalmente fadados ao insucesso.

Em decorrência, perde-se, além de centenas de milhões de reais, a oportunidade de beneficiar comunidades com melhorias físicas estruturais e de mudar concretamente as condições de vida de seus moradores, em vez de lhes destinar apenas suntuosas maquiagens urbanísticas.

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