Nesta semana comemora-se dez anos da entrada em vigor da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). "Comemora-se" é, de fato, o termo mais adequado para se referir à data: não há, hoje, voz contrária à norma que revolucionou o trato das finanças públicas no país, algo muito diferente do que aconteceu quando ela foi discutida, na virada do milênio. Não é difícil adivinhar quem era contra e hoje pia baixinho: os suspeitos de sempre, os petistas.
Se hoje o governo do PT louva e enaltece, às vezes em brados, às vezes sob sussurros, a LRF, antes era muito diferente. Ao seu velho estilo bravateiro, o partido votou em bloco contra a aprovação da lei, realizada em 25 de janeiro de 2000. Parlamentares que viriam a ocupar sete ministérios de Lula, dois governos de estado e um monte de prefeituras pelo país afora estão na lista do "não" daquela sessão. É de se perguntar como teriam governado se tivessem se saído vitoriosos.
Não satisfeitos com o resultado - uma acachapante aprovação com 385 votos, suficientes para aprovar até emenda constitucional, a 86 -, PT, PSB e PCdoB foram bater às portas do Supremo com uma ação arguindo a inconstitucionalidade da lei. Derrubada liminarmente, até hoje não teve seu mérito apreciado pelos ministros da corte, mas, curiosa e simbolicamente, obteve da AGU, já em 2008, a opinião de "total constitucionalidade". Quanta ambiguidade.
A LRF começara a nascer 12 anos antes, quando das discussões havidas na Assembleia Constituinte - que resultou na Constituição que hoje nos rege e que o PT recusou-se a assinar em 1988. Partiu do então deputado José Serra, relator da Comissão de Finanças e Tributação, a iniciativa que resultaria no artigo 163 da Constituição, prevendo a edição de uma lei complementar para disciplinar as finanças do país. Deu na LRF.
Aos leitores mais novos é sempre bom recordar: naquela época, como ainda permaneceria durante um longo período à frente, as finanças públicas no país eram pouco mais do que uma monumental balbúrdia. Num país em que a inflação mensal teimava em não baixar de dois dígitos e que ao ano contava-se às centenas, as previsões orçamentárias não passavam de futurologia. Miragem pura mesmo.
Com a engenharia do Plano Real, que pôs fim à cortina de fumaça que a inflação impunha às contas públicas, ficou evidente que havia gastos demais para dinheiro de menos. O processo seguiu-se então com um ajuste nas finanças de estados e municípios, que resultou no equacionamento de dívidas e na liquidação de instituições bancárias públicas, verdadeiro sorvedouro de recursos (entre 1983 e 1991, a União gastou R$ 61 bilhões com empréstimos e subsídios, relembra o Valor Econômico).
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Mesmo com seus muitos avanços, a LRF mantém-se capenga. Ao contrário do que muitos imaginam, ela só impõe limites de endividamento a estados e municípios; a União está livre, leve e solta para gastar. O resultado é que, nestes dez anos, a dívida federal total e a dívida mobiliária aumentaram bem mais do que o PIB, como mostrou o Estadão na sua edição de domingo.
Fato é que, dependêssemos do que pensa o PT, estaríamos a esta altura nas catacumbas, num atoleiro tão gosmento quanto o que engole os gregos neste momento. Pão, pão, queijo, queijo, a LRF é dura para proteger o dinheiro que não é do governante, mas sim de cada um dos contribuintes. Indiferente, o governo petista tenta, a todo custo, driblá-la, criando subterfúgios atrás de subterfúgios contábeis. Haja criatividade. Engana a quem?
A consequência está aí, para todo mundo ver: despesas que crescem de maneira explosiva, como bomba-relógio pronta para detonar no colo do próximo presidente. Só no primeiro trimestre, a alta foi de 13,8% acima da inflação, nos cálculos do especialista Raul Velloso. Foi a maior elevação em sete anos.
Com as receitas fiscais voltando a crescer, a hora seria bastante apropriada para ajustar as despesas. Mas, até numa demonstração de que não acredita que um dos seus estará no centro do picadeiro daqui a alguns meses, o governo petista parece querer ver as labaredas consumindo a lona do circo. Na dúvida, melhor ligar 193, porque, mesmo com todo o seu sucesso, só a Lei de Responsabilidade Fiscal pode ser pouco diante dessa gente.
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