Thiago Herdy, Alessandra Mello e Amanda Almeida/CorreioBraziliense
Deputados estaduais mineiros estão despejando todos os meses na contabilidade da Assembleia Legislativa de Minas Gerais um grande volume de notas fiscais frias para justificar os seus gastos.
Desde 2001, depois que tiveram de cortar seus supersalários (até RS 90 mil), os parlamentares têm direito mensalmente a uma verba indenizatória de R$ 20 mil para custear o mandato, mas só recebem o dinheiro se apresentarem o comprovante da despesa.
E é aí que ocorre a farra e o descontrole com os recursos públicos: para mostrar que tiveram realmente os gastos e embolsar a verba, eles recorrem a notas frias, superfaturadas e fornecidas por empresas de fachada.
Apenas a Máxima Comercial Ltda., empresa que funciona em uma pequena sala na entrada de uma garagem em um bairro residencial de Contagem, recebeu R$ 685,7 mil entre julho de 2009 e janeiro de 2010 para produzir boletins informativos de 13 deputados.
Sem ter uma máquina de impressão sequer, ela embolsou 82% deste valor (R$ 561,6 mil). Isso porque pagou apenas R$ 124 mil a uma gráfica terceirizada para produzir o material.
Os deputados que transferiram recursos à Máxima são:
Adalclever Lopes (PMDB), Hely Tarquínio (PV), Chico Uejo (PSB), Antônio Júlio (PMDB), Gilberto Abramo (PMDB), Sávio Souza Cruz (PMDB), José Henrique (PMDB), Delvito Alves (PTB), Juninho Araújo (PTB), Doutor Rinaldo (PSL), Mauri Torres (PSDB), Eros Biondini (PTB) e Fábio Avelar (PSC).
Entre as 2,1 mil empresas que emitiram 11.039 notas para deputados mineiros nos sete meses analisados pelo Correio, a Máxima foi a que recebeu, de longe, o maior volume de recursos. Eles equivalem a 8% dos R$ 8,7 milhões pagos de verba indenizatória neste período.
Mas não foi a única usada pelos deputados. Há episódios com fortes indícios de uso indevido de recursos públicos — como a indenização por notas que apresentam numeração seriada —, e também com fraude confessa.
“Ele (o deputado) vai querer fazer jornal, ou vai querer só nota? Porque o jornal a gente podia fazer uns cinco mil jornalzinho (sic) e tira a nota de R$ 50 mil.”, disse Washington Marques de Almeida, ligado a duas firmas que receberam, sozinhas, R$ 167,4 mil de um grupo de seis deputados: Célio Moreira (PSDB), Juarez Távola (PV), Carlos Gomes (PT), Dimas Fabiano (PP), Carlos Pimenta (PDT). Washington admitiu, também, tirar notas frias para Alencar da Silveira Jr. (PDT).
Concentração
Uma resolução da Mesa Diretora da ALMG limita os gastos com combustível, consultoria e aluguel de veículos, em até 25% da verba, cada, mas não faz qualquer restrição ao uso para divulgação da atividade parlamentar.
Não à toa, 95 das 98 notas com valores maiores que R$ 10 mil foram apresentadas para justificar supostas despesas com divulgação.
As gráficas receberam R$ 3,58 milhões nos sete meses analisados, o que corresponde a 41,4% do total. Em seguida vêm os postos de combustível — R$ 1,68 milhão (19,5%) — e supostas empresas de consultoria e assessoria parlamentar — R$ 1,32 milhão (15,3%).
De 57 deputados que receberam mais de R$ 100 mil, cada, nos sete meses de análise, a título de verba indenizatória, pelo menos 41 apresentam algum indício de abuso na prestação de contas. Procurados, os deputados disseram desconhecer qualquer irregularidade.
Para revelar esse descaso com o dinheiro público, repórteres se passaram, em alguns momentos, por assessores parlamentares, para conhecer as manobras usadas pelos deputados para justificar despesas indevidas ou que não ocorreram. Todas as abordagens foram gravadas.
O número
R$ 685 mil
Esquema lucrativo
A empresa que mais faturou com a verba indenizatória da Assembleia Legislativa de Minas Gerais funciona em uma sala de 25 metros quadrados, improvisada na garagem da casa nº 1.988 da Rua das Acássias, no Bairro Eldorado, em Contagem, e tem capital social de apenas R$ 10 mil.
Na parede, um banner com fotografias de máquinas impressoras tiradas da internet convida o cliente que bate à porta a contratar os serviços da empresa.
“Você gostaria de visitar o nosso parque gráfico?”, afirma Joaquim Milagres Lopes, 49 anos, sócio da empresa desde fevereiro deste ano e responsável pelo contato com os parlamentares.
Mais tarde, ele mesmo se encarrega de explicar o negócio: “na verdade, eu tenho uma terceirização, tanto que aqui é a Máxima Comércio”, diz, destacando a última palavra da razão social da empresa. Joaquim afirma que presta serviços para os deputados da ALMG desde o início do ano passado.
“Eu tenho uma facilidade, faço todo o serviço. Tenho a flexibilidade de me sentar com eles (parlamentares). Vou para o gabinete com o meu computador, abro, ele traz as fotos, as notícias, preparo o arquivo final. Ele revisa, a gente negocia o preço”, despista.
Os quatro deputados que mais pagaram à empresa neste período são do PMDB:
José Henrique, R$ 84,3 mil;
Sávio Souza Cruz, R$ 77,2 mil;
Antônio Júlio, R$ 62,2 mil;
e Adalclever Lopes, R$ 58,1 mil.
Joaquim afirma que o deputado Antônio Júlio foi o seu primeiro cliente.
“Eu tava fazendo santinho para uma candidata a vereadora de Onça do Pitangui, que me indicou porque gostou do serviço”, disse.
No limite
Quase a metade de todas as notas (45%) da Máxima foram apresentadas nos dois últimos meses do ano passado, no limite do prazo para uso do adicional mensal. A ALMG permite a acumulação da verba, desde que o saldo remanescente seja usado dentro do mesmo ano.
Das 53 notas fiscais apresentadas pelos deputados, 44 pertencem a séries numeradas. A maior série, com nove notas, foi emitida em novembro.
Perguntado sobre o nome e o endereço da gráfica onde imprime os serviços, Joaquim respondeu ser apenas uma: “(Editora Gráfica) Daliana, aqui em Contagem”, disse. O Correio procurou o dono da empresa citada, Daniel Henrique de Almeida Marques.
Ele confirmou prestar serviços para a gráfica de Joaquim. Mas o esquema montado pela Máxima se revelou quando Daniel informou o custo dos serviços prestados nos sete meses considerados pela reportagem: apenas R$ 124.076.
Este valor representa 18% do total pago pelos deputados à Máxima no período. (TH)
Fraudador confesso
Pelo menos quatro deputados recorrem aos serviços de Washington Marques de Almeida, de 51 anos, para comprar notas fiscais frias e receber os valores da verba indenizatória da Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
Quem afirma é o próprio Washington, que mantém a sede de sua “gráfica” no segundo andar de uma casa simples, com acabamento de reboco, na Cachoeirinha, na Região Norte de Belo Horizonte. Em vez de máquinas e papel, no local há roupas espalhadas por todos os cantos.
Ele diz que a filha mantém uma loja de roupas e calçados ali.
Sem saber que era gravado, Washington ofereceu notas fiscais ao repórter do Correio que o procurou dizendo estar interessado em fazer um jornal para um parlamentar.
“Mas ele (o deputado) vai querer fazer jornal, ou vai querer só nota?”, perguntou Washington, que logo completou: “Porque o jornal a gente podia fazer uns cinco mil jornalzinho (Sic) e tirar a nota de R$ 50 mil.”
Os documentos fiscais são emitidos em nome da empresa cuja razão social é seu próprio nome, mas também pela Artes Gráficas GSM, que funciona a 500 metros de sua casa, numa loja onde, no lugar do maquinário, há apenas dois computadores.
Entre julho de 2009 e janeiro de 2010, as duas empresas emitiram 18 notas que totalizam R$ 167,4 mil, o terceiro maior valor registrado no banco de dados elaborado pelo Correio com base nas prestações de contas dos parlamentares.
O nome dos deputados que encomendaram as notas é o próprio Washington quem revela, mostrando as outras vias dos documentos ao repórter:
“Olha aqui, Carlos Wilson Pimenta, Dimas Fabiano Toledo Júnior, aqui ó, R$ 11 mil. Tem uma aqui de R$ 35 mil, de R$ 80 mil, olha aqui, do Alencar (da Silveira Júnior) (...) Tem desse cara aqui também, você deve conhecer ele (...), Carlos Gomes de Freitas.”
Notas seriadas
Entre os quatro nomes citados, apenas as notas de Alencar da Silveira ainda não foram divulgadas no site da ALMG (faltam dados dos meses de janeiro e março). No entanto, o próprio deputado admite ter contratado os serviços das empresas ligadas a Washington.
Além dos citados, há notas emitidas para os deputados Célio Moreira (PSDB) e Juarez Távola (PV). Oito das 18 notas estão seriadas, de duas em duas.
Washington se apresenta como figura exclusiva: “o único cara que tira nota aqui em Belo Horizonte, só eu mesmo!”. Ele oferece uma nota de R$ 50 mil por R$ 11 mil, incluído no serviço um pequeno volume de jornais para justificar a despesa.
“(Isto representa) uns 22% do valor da nota”, diz o repórter. “Eu marco uns 18%, igual eu faço para eles lá”, sugere Washington, tentando melhorar a proposta.
O endereço da empresa com seu nome, registrado na Receita Federal, está abandonado. É uma sala do bairro Cachoeirinha que só fica fechada.
“Tem uma papelada dele aí no chão, de correio, que nunca mais ele veio buscar” diz uma vizinha, que mora no mesmo terreno do imóvel. (TH)
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