Autor(es): ROLF KUNTZ O Estado de S. Paulo
Surpresa:
Alguém começa a apresentar propostas, em vez de vagas promessas, numa campanha eleitoral marcada até agora por uma extraordinária indigência de ideias.
Sem alarde, a senadora Marina Silva entra em cena com um balaio de sugestões, enquanto outros candidatos se perdem numa discussão bolorenta sobre o papel do Estado.
Ela propôs, entre outros pontos, aumento de impostos para indústrias poluentes e adoção de incentivos para empresas e famílias se adaptarem às mudanças para redução de emissões de gases estufa. Defendeu, além disso, a cobrança de royalties maiores das mineradoras.
Algumas de suas ideias podem ser mais defensáveis do que outras, mas todas oferecem bom material para discussão. Ela terá de se expor muito mais para informar o eleitorado e mostrar o sentido de sua candidatura, mas o começo é promissor.
A senadora e ex-ministra procurou já no início eliminar dúvidas sobre seus compromissos com a estabilidade: se eleita, disse no dia 5, manterá o tripé da política macroeconômica - metas de inflação, superávit primário e câmbio flexível.
Os dois candidatos mais cotados até agora, a ex-ministra Dilma Rousseff e o ex-governador José Serra, também se dizem dispostos a preservar os fundamentos da economia. A ex-ministra promete continuar a política do presidente Lula.
Foi por ele aconselhada, segundo fonte próxima do Planalto, a respeitar a autonomia de fato do Banco Central (BC), como fez o presidente desde o início do primeiro mandato.
"Quem fez câmbio flutuante, responsabilidade fiscal e metas de inflação foi o governo passado", rebate o ex-governador. "Eu ajudei a erguer a mesa. Não vou derrubá-la."
Mas os dois nunca aceitaram pacificamente a política baseada nos três pilares. Serra criticou frequentemente a orientação oficial em matéria de juros e de câmbio e continua rejeitando a autonomia operacional do BC. Dilma Rousseff também nunca apoiou essa ideia.
Além disso, derrubou o plano de equilíbrio nominal das contas públicas apresentado há alguns anos pelos ministros Antônio Palocci, da Fazenda, e Paulo Bernardo, do Planejamento.
Em relação aos compromissos com a estabilidade, o candidato Serra só se diferencia da ex-ministra Rousseff por sua promessa de promover um ajuste nas contas públicas a partir de um corte de gastos.
Se anunciar um propósito semelhante, a candidata governista precisará renegar o discurso oficial, ouvido muitas vezes nos últimos anos, em defesa do aumento das despesas públicas.
O Estado forte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de sua candidata é um Estado gastador e caro. Eles mesmos nunca negaram esse ponto.
Nunca distinguiram o aumento da eficiência do aumento da despesa. A ideia de produzir mais serviços - e serviços melhores - com o mesmo custo fiscal ou com menor custo nunca foi explicitada em suas arengas políticas.
A noção de eficiência é, no entanto, parte do discurso do ex-governador de São Paulo e isso marca uma sensível diferença entre as duas concepções de governo. A distinção é importante, mas não chega a ser uma informação sobre o conteúdo de seus programas.
Quanto a esse ponto, a senadora Marina Silva oferece ideias mais amplas. Ela não propõe, simplesmente, aumentar impostos sobre indústrias poluentes e criar incentivos para adaptação. A questão, explica, é como redistribuir o peso dos tributos, na implantação dessa política, sem elevar a carga tributária.
Para ampliar sua audiência, a senadora precisa ir além do discurso ambientalista. Ela tem procurado apresentar ao público a imagem de uma candidata com um conjunto amplo de preocupações.
Em pronunciamentos, entrevistas e programas de rádio, tem discutido, às vezes longamente, questões de saúde e educação, itens fundamentais de qualquer programa decente de governo.
Mas o debate apenas começou e nenhum programa completo foi apresentado. O eleitor sem cabresto e sem antolhos continua esperando.
É JORNALISTAS
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