"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

novembro 10, 2014

O tamanho do problema

Algumas matérias dos jornais de ontem e de hoje dão a dimensão do tamanho do problema que o novo governo da presidente Dilma irá enfrentar. A solução desses problemas encontra-se em aberto e acho que o governo ainda subestima o custo do ajuste (e os eleitores também).

Enquanto isso, há ainda um “grupo de intelectuais” que acredita que o real debate deveria ser entre as propostas de esquerda e da direita no Brasil. Vamos fazer o seguinte. Assim que resolvermos os nossos problemas imediatos de baixo investimento, redução do superávit primário, inflação elevada, reajuste ou não das tarifas dos transportes público, etc. podemos debater propostas da esquerda e da direita para deixar os intelectuais felizes.

Segue abaixo um exemplo da lista de problemas imediatos para o início do segundo governo Dilma:

(1) Claudia Safatle em matéria no Jornal Valor Econômico de hoje: “O segundo mandato de Dilma começou na segunda feira após o segundo turno das eleições mas, até o momento, ela não escolheu quem será sua equipe econômica nem definiu o que fará nos próximos quatro anos……. Quem conhece bem a personalidade da presidente decifra o enigma: “A pessoa jurídica da Fazenda está decidida e é ela. O que se procura é a pessoa física que vai ocupar a cadeira de ministro”. Enquanto isso, o dólar sobe, os juros também, tornando cada dia mais onerosa a espera sobre a definição dos rumos.”

O governo está fazendo de tudo para dar sinais positivos ao mercado, mas o que se destaca é uma sucessão de noticias negativas e a impressão cada vez maior que o governo está perdido, simplesmente não sabe o que fazer e parte dos assessores da própria presidente sonham com um banqueiro para “controlar” a presidente.

O próximo governo deverá combinar um esforço fiscal de 3 a 4 pontos do PIB e ainda encarar um crescimento da divida/PIB. Além disso tudo, nas atuais circunstâncias, não se espera um crescimento médio do PIB no próximo governo Dilma muito diferente de 2% ao ano (mas crescente ao longo dos quatro anos).

(2) Matéria do valor sobre reajuste das tarifas dos ônibus urbanos: “O fim da corrida eleitoral traz de volta uma “bomba tarifária” prestes a explodir no colo de prefeitos e governadores. Alvo das manifestações de junho do ano passado, as tarifas de ônibus acumulam defasagem de até 16% em um conjunto de cinco grandes capitais ou regiões metropolitanas – Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Fortaleza e Goiânia – e precisam de reajustes “salgados” nos próximos meses”.

Se os governos municipais não autorizarem os reajustes terão que pagar do próprio bolso os prejuízos das companhias de transporte urbano. Ou seja, o que este em jogo aqui é se o custo recairá sobre os usuários do transporte público ou sobre os contribuintes do município.

Esta matéria traz uma informação que não tinha a mínima ideia: “O número de usuários (de ônibus) nas nove maiores regiões metropolitanas caiu 35%, entre 1995 e 2013. De todos os deslocamentos urbanos motorizados, 65% serão em transporte individual em 2030, conforme projeções da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP). Eram 25% em 1980”. Essa é uma notícia péssima.

(3) Matéria do Valor sobre reajuste do preço das energia nos trens urbanos e metrô: “Com pressões de custos e sem clareza sobre eventuais reajustes, as operadoras de trens urbanos e metrôs também veem um cenário nebuloso pela frente. Uma das maiores preocupações do setor é com o encarecimento da energia elétrica. Para a ANP Trilhos, entidade que representa as principais operadoras do país, o início da aplicação de “bandeiras tarifárias” nas contas de luz, a partir de janeiro, gera receio entre as empresas. A eletricidade representa de 20% a 25% dos custos operacionais no transporte sobre trilhos.”

Em resumo, como a tendência agora é de reajuste no preço da energia em valores próximos ou acima de 20%, isso vai se refletir no aumento do custo de operação dos trens urbanos e metrô. Qualquer aumento de tarifa pode ser postergada, mas neste caso alguém tem que bancar o subsidio e, esse alguém, é o contribuinte.

(4) Matéria do Ribamar Oliveira no Valor sobre a renegociação da divida dos estados e municípios: “O principal alívio para os governadores e prefeitos é que o projeto de lei permite que todos os Estados e municípios fiquem enquadrados nos limites máximos de endividamento, definidos por resolução do Senado…….O projeto de lei abriu, portanto, um espaço para que governadores e prefeitos se endividem para fazer novos investimentos.”

Aumento da divida para novos investimentos, embora a causa seja meritória, significa queda do primário em uma conjuntura na qual o resultado primário em 12 meses até setembro dos governo estaduais e municipais foi de R$ 3,9 bilhões ou 0,08% do PIB.

Na verdade, como estados e municípios contraíram dívidas novas nos últimos dois anos, o primário desses governos precisará crescer para algo como 0,5% a 0,7% do PIB, no mínimo, para arcar com o custo das dividas antigas e novas em 2016 ou 2017. Mas abriu-se agora espaço para novas dividas. Essas coisas não batem: mais necessidade para aumentar a divida e necessidade de aumento do primário.

(5) Entrevista do jornal o Globo de domingo com o presidente do BNDES Luciano Coutinho: “Segundo presidente mais longevo do BNDES, Coutinho afirma que banco precisa reduzir sua participação no apoio aos investimentos do país. Mas diz que ‘as mudanças vão ser graduais’ e não descarta novos aportes do Tesouro. (leia entrevista completa aqui).

O papel dos bancos públicos em um segundo governo Dilma ainda é incerto para mim. O governo fala na redução gradual de subsídios e repasses do Tesouro para bancos públicos, mas a situação é muito mais complicada do que parece.

Primeiro, se o aumento da TJLP afetar os contratos passados, quase todas as concessões recentes terão que ser renegociadas. Segundo, se o aumento da TJLP afetar apenas o futuro, o impacto na redução do custo de juros para o Tesouro será menor do que se afetasse o passado. Terceiro, redução gradual dos repasses do Tesouro poderá levar dois, três ou quatro anos. Ninguém sabe. Quarto e último ponto, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal precisarão de aportes: capitalização.

(6) Matéria do site da Revista Veja: Arno Augustin continuará um homem forte no próximo governo: “Arno guarda as chaves do Tesouro Nacional desde 2007. No governo e, sobretudo, fora dele, as preces são para que sua temporada na administração federal termine este ano. Contudo, o caminho será inverso. O secretário deverá ganhar mais poder. Dilma o quer mais perto e, por isso, deve “promovê-lo” a assessor especial, com direito a sala no Palácio do Planalto….. No novo governo, Arno Augustin deverá servir de ponte entre o Palácio do Planalto e o Ministério da Fazenda. A depender de quem ocupe essa pasta, pode ser uma tarefa muito, muito árdua.” (Leia aqui matéria completa)

Situação atual: 
temos um Congresso Nacional mais dividido, uma presidente que foi e possivelmente será o ministro da fazenda, Arno Augustin que “fez o diabo” para “cumprir” as metas fiscais continuará forte no próximo governo e não se sabe ainda nada da nova equipe econômica.

Em resumo, por enquanto, não há como ser otimista porque, passadas duas semanas da eleição, o governo continua imerso em um conflito interno sem saber o que fará para desfazer a Nova Matriz Econômica que tanto defendeu e, ao mesmo tempo, agradar os seus eleitores, colunistas simpatizantes do PT que esperavam uma guinada do governo para esquerda e economistas que assinaram o “manifesto pelo desenvolvimento e pela inclusão social”.


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