"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

setembro 26, 2014

Pronta a persistir nos mesmos erros. E O ELEITOR?

Aos trancos e barrancos, o governo chega ao primeiro turno da eleição presidencial com a economia fazendo água por todos os lados. Apesar do represamento do câmbio e dos preços de energia létrica e combustíveis, a inflação em 12 meses rompeu o teto de tolerância da meta. Em queda há 17 semanas, a mediana das expectativas de crescimento do PIB em 2014 já não passa de mísero 0,3%. 

Com o saldo da balança comercial praticamente zerado, o déficit em conta corrente deste ano deverá ser de mais de US$ 80 bilhões, ou 3,5% do PIB. E, na esteira de um longo processo de perda de credibilidade do registro das contas fiscais, o resultado primário do setor público em 2014, extirpado de receitas e despesas não recorrentes, deve ser inferior a 0,5% do PIB. Mesmo quem nunca nutriu ilusões sobre o que esperar desse governo jamais imaginou que o desastre pudesse atingir tais proporções.

O que é especialmente desanimador é que não se vê, no discurso da presidente Dilma, o mais tênue sinal de disposição para corrigir o rumo da política econômica, à luz dos equívocos cometidos nos últimos anos. A impressão que se tem é que a intenção da candidata à reeleição é dobrar a aposta e persistir nos mesmos erros, na vã esperança de que o desempenho da economia no segundo mandato acabe por lhe dar razão.

O que o Planalto contemplava era poder conduzir a campanha da reeleição no mundo encantado de João Santana, ao largo de qualquer discussão mais séria sobre o desempenho da política econômica. Mas a rápida deterioração do quadro econômico, as críticas dos demais candidatos e o assédio da mídia vêm tornando essa estratégia cada vez mais difícil. E deixando claro que a presidente não tem qualquer proposta articulada de reorientação da política econômica, para fazer face às dificuldades que vêm sendo enfrentadas.

É o que ficou evidente na entrevista concedida por Dilma Rousseff no programa “Bom Dia Brasil”, da Rede Globo, que foi ao ar na manhã de segunda-feira. Instada pelos entrevistadores a esclarecer como pretende reverter o quadro de estagnação e inflação alta, caso seja reeleita, a candidata gastou nada menos que oito minutos em uma resposta repleta de evasivas, subterfúgios e rodeios, da qual pouco ou nada se salva.

Na resposta, a presidente se aferra ao diagnóstico turrão — e conveniente — de que não há nada de errado com sua política econômica e que tudo decorre da crise econômica mundial. Como “a situação do mundo está extremamente problemática”, o país “está na defensiva em relação à crise internacional”, empenhado em “proteger emprego, salário e investimento”. Não houve a mais leve menção ao fato de que, não obstante esse suposto empenho, o investimento está em queda há quatro trimestres.

Pressionada pelos entrevistadores a ser mais específica, Dilma revela, afinal, que sua ideia é “apostar numa retomada”. E apressa-se em esclarecer que “na retomada, você muda a sua política econômica de defensiva para ofensiva” e que “eu posso, na retomada, gastar menos para sustentar emprego, salário e investimento”. Mas logo recua: “Só que investimento eu tenho de manter.” Se não, “eu comprometo emprego e salário”.

“Então o que nós achamos?”, indaga Dilma.
 “Nós achamos que a gente tem de ver como é que evolui a crise”, pois, “se ela evoluir para uma situação um pouco melhor”, o país “pode entrar em uma outra fase, que precisa menos estímulos”, “pode ficar mais entregue à dinâmica natural da economia e pode, perfeitamente, passar por uma retomada”.

Parece difícil de acreditar, mas não foi mais do que isso que a candidata a presidente que, com folga, lidera as pesquisas de intenção de voto no primeiro turno, tinha a dizer sobre como pretende lidar com os sérios desafios de política econômica que o país tem pela frente.

Se o leitor não teve oportunidade de ver a entrevista, pode recorrer ao site do programa, onde estão disponíveis tanto o vídeo como a transcrição. É imperdível.

Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio

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