"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

setembro 22, 2014

NOVA POLITICA ! CONTRADIÇÕES : "A vida política não pode se reduzir a este tipo de pasmaceira."


O que vale mesmo? 
As declarações difusas e genéricas da candidata Marina Silva ou sua atuação enquanto parlamentar e ministra do Meio Ambiente? 

Frequentemente, tem-se a impressão de que são duas pessoas distintas, em tudo iguais na aparência, porém profundamente diferentes. É bem verdade que o processo eleitoral, muitas vezes, apaga as diferenças, porém não seria de bom tom para uma candidata que se coloca como apregoando uma “nova política”. Aqui ela aparece bem “velha”.

Não há nenhum problema em mudar de opinião. 
As circunstâncias mudam, a vida está cheia de imprevistos e ideias que pareciam adequadas em um determinado momento já não se mostram à altura em outro. Isto implica, contudo, o reconhecimento da mudança e a honestidade de dizer que a postura em determinadas questões não mais será a mesma. 

Não bastam formulações francamente demagógicas dos que dizem que Marina Silva é, agora, diferente. Diferente no quê? 
Onde está o seu compromisso? 
A vida política não pode se reduzir a este tipo de pasmaceira.

Em filosofia, por exemplo, grandes pensadores são caracterizados segundo mudanças que foram operando em suas respectivas formas de pensar. Não há nenhum desabono por isto, mas tão somente clareza de formulações e honestidade de postura. Assim, a obra de Kant é divida em seu período crítico e pré-crítico. O mesmo ocorre com a obra de Marx, quando divida entre o “jovem” Marx e o da maturidade.

Ocorre que a política brasileira não segue esses parâmetros de clareza e honestidade. O ex-presidente Lula simplesmente se qualificou como uma “metamorfose ambulante”, dando-se, assim, passe livre para dizer qualquer coisa. O ex-presidente Fernando Henrique, por sua vez, teria dito que os brasileiros deveriam “esquecer o que tinha escrito”. O fato de, recentemente, ter esclarecido que não teria proferido ele mesmo essas palavras, nada altera a questão, pois um não esclarecimento na época simplesmente referendou essa formulação.

Vejamos alguns posicionamentos de Marina Silva.

Em junho de 2012 (“Info Exame"), em uma palestra para estudantes, Marina qualificou o Código Florestal, aprovado no Congresso e sancionado com alguns vetos pela presidente Dilma, de “código agrário”. 


Suas palavras: “É a primeira vez na história do país que eu vejo tanto retrocesso, em todos os governos. Independente de quem fosse, sempre havia um ganho, mesmo que fosse pequeno. É a primeira vez que só se tem perdas. Espero que os rumos sejam corrigidos por quem tem o poder de corrigir, que é o próprio governo. A esperança não é a última que morre. É aquela que não deve morrer.”

Note-se a virulência da formulação em uma rejeição em bloco do Novo Código Florestal enquanto “código agrário”. Um imenso “retrocesso”. O que fará a candidata se for eleita? Sendo governo, fará todas as “correções” correspondentes? É essa a “esperança” que está sendo oferecida, a da insegurança e do imobilismo?

Em junho de 2010 (blog da jornalista Cristina Lemos, Rede Record) foi ainda mais incisiva: “Ninguém que queira governar o Brasil pode ficar omisso ou conivente com esse tipo de retrocesso”, desafia Marina, para quem há os que pretendem praticar um “discurso fácil para agradar bases retrógradas”. 

No mês de julho deste mesmo ano, em sabatina da Record News, declarou o seguinte a propósito do novo código: “É um estelionato ambiental.” 

No ano seguinte (G1, Rede Globo), em junho, perseverou no mesmo ponto: “O texto todo se constitui no maior retrocesso da história da legislação ambiental brasileira.”

Ainda em junho deste ano de 2014, em um artigo da “Folha de S.Paulo”, intitulado “Quem não sabia?”, investiu novamente contra o novo Código Florestal, desta feita acusando o governo de tergiversar na aplicação das novas regras, não implementando o CAR (Cadastro Ambiental Rural), um efetivo avanço, algo não feito pela hoje candidata quando ministra.

Diga-se de passagem que nosso país será um exemplo para todo o mundo, na medida em que passará a ser monitorado via satélite. Reservas legais e APPs (Áreas de Proteção Permanente) poderão ser avaliadas, tendo o país um retrato fiel de sua produção agrícola e de sua preservação ambiental.

Ocorre que tal processo, fruto do diálogo e da negociação, exige que todas as partes sejam ouvidas, o que é próprio de um ambiente democrático de discussão. O Incra está no centro deste processo de gestão territorial, contando com o apoio do próprio Ministério de Desenvolvimento Agrário, do Ministério da Agricultura e do Ministério do Meio Ambiente.

O que incomoda então a candidata?

 Talvez o fato de este processo não ser controlado por ONGS nacionais e internacionais. A soberania nacional está sendo efetivamente exercida no interesse de todos os cidadãos. Há os teimosos que não querem reconhecer que o país se tornou em pouco tempo um dos maiores produtores de alimentos do mundo, com preservação ambiental de 61% de suas florestas e matas nativas, além de mais de 80% da floresta amazônica.

Outro caso à parte é o das Unidades de Conservação (UCs), desenhadas demagogicamente para criar um país fictício. São factoides políticos que não expressam a realidade. Por exemplo, somente 44 (14,10%) das 312 UCs federais tinham sido demarcadas até março de 2013, segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Ora, a demarcação é apenas o primeiro passo para a implementação dessas UCs. O processo todo deveria estar concluído em cinco anos, com o pagamento das indenizações correspondentes aos proprietários.

Logo, como esses processos não se concluem, cria-se um limbo jurídico, jogando os proprietários em um verdadeiro inferno, pois já não detêm a propriedade de terras que, na verdade, lhes pertencem. Sucumbem neste processo quilombolas, assentados da reforma agrária e empreendedores rurais. Alguns processos se arrastam há décadas. O que pensa fazer a candidata? Pretende continuar criando novas unidades de papel?

As contradições são evidentes. O que vale?


Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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