"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

maio 25, 2014

HOJE/AQUI/AGORA MAIS “espectros fantasmagóricos” VERDADEIROS DA "PARLAPATÃ" DESAVERGONHADA 1,99 : Inflação corrói nova classe média

A escalada da inflação atinge de forma perversa a parcela da população brasileira que ascendeu para a classe C e passou a consumir produtos e serviços antes inatingíveis. O dragão abocanhou R$ 73,4 bilhões desse grupo nos últimos 12 meses, segundo estudo do Instituto Data Popular, feito a pedido do GLOBO. A classe C movimenta cerca de R$ 1,17 trilhão por ano, calcula o instituto.

Nos últimos 12 meses, a inflação acumula alta de 6,28%, pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). A mordida no orçamento só não foi mais doída porque a renda da classe C continuou a subir. No entanto, ainda em fase de expansão, a nova classe média já está dividida. Boa parte se encontra em uma “zona de rebaixamento” e corre o risco de voltar à classe D por causa das condições da economia brasileira: 
combinação de inflação persistente e juros altos.

Segundo uma estimativa construída pela corretora Gradual, dos 108 milhões de pessoas da classe C, cerca de 10 milhões estariam na fronteira da classe D e seriam mais vulneráveis a um rebaixamento. Elas ascenderam à classe média (grupo que, segundo os critérios da Data Popular, tem renda familiar de R$ 1.216 a R$ 4.256) com o aumento dos ganhos salariais no passado, mas ainda têm renda errante que pode diminuir ao sabor do quadro econômico.

O dilema na mesa do Banco Central é se deve controlar a inflação de serviços, que atualmente roda em 8,99%, por meio de uma elevação da taxa básica de juros a tal patamar que jogaria a nova classe C de volta ao subconsumo da classe D (com o aumento do juro, o crédito fica mais caro) — explica o economista-chefe da Gradual, André Perfeito.
Na visão de Perfeito, o governo tem gasto além da conta e isso coloca combustível na inflação, que prejudica não apenas a classe média, mas principalmente os mais pobres.

O presidente do Data Popular, Renato Meirelles, acrescenta que o debate tem de ser ainda mais amplo: 
a melhoria de vida da população passa necessariamente por aumento da produtividade e de investimentos.

Não dá para ficar apenas na corda bamba de segurar a demanda num país que tem demandas tão reprimidas como o Brasil — afirma Meirelles.

A assistente social carioca Cátia Soares de Sant'Anna trabalha em Angra dos Reis de segunda a quarta. As filhas ficam sob o cuidado da mãe dela no Rio. Desde o ano passado, diz que sentiu os preços subirem e alterou hábitos de consumo.

Antes eu fazia compras num mercado e só me preocupava com o produto. Hoje me preocupo com o valor. Compras, só no "dia da carne" ou no "dia da fruta". Vestuário também é preciso pesquisar. Não tem outra saída, tenho que planejar o que fazer com o salário — conta.
E esse planejamento incluiu o lazer das filhas: 
evitar ao máximo gastar fora de casa é uma regra. 
Se a família sai, o lanche vai preparado na bolsa. 
Cátia tem renda de R$ 1.335 — era de R$ 7 mil até 2012, quando se separou e perdeu o emprego.

Vaudiram Mendes Novais ganhava cerca de R$ 1.600 como garçom. 
Precisou sair do emprego e passar um tempo com a família na Bahia. Quando voltou para Brasília, não achou mais vaga em bares e restaurantes com o mesmo rendimento. Resolveu trabalhar como vendedor no quiosque de livros do cunhado e o salário caiu para R$ 1.200.

No supermercado, já senti o aumento dos preços e com a queda do meu salário cortei o supérfluo, como doces e biscoitos, e fiquei com o necessário:
 arroz, feijão e carne. E consegui baixar a conta do mercado de R$ 300 para R$ 200.

70% acreditam que preços subirão

Vaudiram não é o único que teve de ajustar as compras ao limite do orçamento. De acordo com o levantamento do Data Popular, 85% dos brasileiros acham que não conseguem ter mais o que adquiriam no passado com os mesmos recursos. Além de comprar menos, a pesquisa de preço voltou a ser tendência para os consumidores.

O brasileiro está mais criterioso e pesquisa mais preços na hora de comprar e isso não é só a classe C, é geral — diz Renato Meirelles.

Segundo o Instituto Data Popular, 70% dos brasileiros apostam que os preços aumentarão ainda mais em 2014. E duas em cada três pessoas acham que não está fácil pagar as contas.

Rochelle Matos é uma delas. 
Até melhorou de vida no último ano. 
Deixou de ser caixa de supermercado para vender artigos esportivos. 
O salário saltou de R$ 1.108 para cerca de R$ 1.500. 
O dinheiro, entretanto, parece estar mais curto. 

Na hora de listar o que deixou de comprar, ela dispara sem nenhuma dúvida:
Roupa e sapato! — conta antes de dar uma boa risada. — Isso era uma coisa que eu comprava muito mais antes.

Já na família da recepcionista Kelly Lucy Pimenta, o corte no orçamento foi carnívoro. Ela, o irmão gari, a irmã manicure e a mãe podóloga tiraram a picanha do fim de semana da lista de compras. O contrafilé também desapareceu da geladeira. E sonhos de consumo foram adiados.
Queria trocar de celular e comprar um tablet, mas só Deus sabe quando.

Kelly está entre os 54% da população do país que fazem parte da classe média, segundo os critérios do Instituto Data Popular. Mesmo com os brasileiros que estão na zona de rebaixamento, a projeção é que essa camada da população aumente e chegue a 58% em 2023, ou seja, 125 milhões de pessoas.

Só que para caber mais gente no andar de cima da pirâmide social será preciso investir e estancar o processo inflacionário estrutural em curso— arremata o economista André Perfeito.


O Globo

GABRIELA VALENTE (EMAIL · TWITTER)
Colaboraram Clarice Spitz e Luciano Abreu

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