"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

novembro 10, 2013

O encanto e a ilusão do lucro fácil


A história de ascensão e queda do ex todo poderoso Eike Batista carrega um pouco de cada brasileiro que sonha com uma vida de poder, influência, glamour e, de quebra, acompanhada de lucros repentinos e sem esforços estrondosos. Não à toa, os bilionários da moda exercem tanto fascínio e não demoram a virar celebridades endeusadas: o povo — de maneiras e intensidades diferentes — encontra neles os ingredientes necessários para alimentar ilusões.
Estranhamente, fatos e atitudes que deveriam estimular desconfiança, por vezes, provocam encantamento. É como se os desejosos da riqueza e influência instantâneas necessitassem de modelos para se apoiar e, assim, sedimentar a própria tese. A ganância e a fissura pelos privilégios rondam a humanidade desde sempre, protagonizando decadência de impérios, quebras de pequenas e grandes empresas e traiçoeiras armadilhas na vida privada de tanta gente.

Histórias semelhantes à de Eike causam impacto, deixam lições e, inevitavelmente, logo se repetem. "Querendo ou não, é também resultado do capitalismo, de um sistema de acúmulo de capital de todas as formas e a qualquer custo", comenta o publicitário e vice-presidente executivo da NBS Comunicação, Dudu Godoy. As derrocadas são fenômenos anunciados, acredita ele. "Ou você acha que as pessoas não sabem que a bolha vai estourar?", instiga.

Eike, de berço nobre, ganhou destaque, virou referência e despertou em muitos brasileiros um sentimento quase que patriótico. "Era um dos homens mais ricos do mundo, e era brasileiro. Todo mundo olhava para ele com a mesma fantasia da loteria. E se projetava nele. Eike era um felizardo", comenta o diretor do Instituto de Análise do Comportamento e Desenvolvimento de Competências (Inteletto), o psicólogo Kleuton Izidio.

A ostentação de Eike servia como instrumento para empoderamento pessoal, na avaliação de Izidio. E era justamente isso que causava deslumbramento. "Eike exercia fascínio, mas é difícil sustentar que, em torno dele, havia um modelo de sucesso. É um excelente gestor de informações, mas não dá nem para rotulá-lo como grande empreendedor", argumenta. "Ele foi celebridade. Sabia que as pessoas o admirariam somente se ele estivesse em evidência", completa Dudu Godoy.

Geralmente, uma boa lábia ajuda a fundamentar a ideia de poder e lucro fáceis. Embora alguns casos sejam mais emblemáticos do que outros, a estratégia básica passa por criar um ambiente favorável ao convencimento de que é possível oferecer algo impossível de ser entregue. "É o conceito de ilusão. Nada paga muito para muita gente e por muito tempo", defende o educador financeiro Álvaro Modernell, incrédulo diante de toda e qualquer promessa mirabolante.


Bois e avestruzes
Além de enredos envolvendo a falência de ex-magnatas, o Brasil coleciona casos com finais desastrosos das chamadas pirâmides financeiras. Ao longo da década de 1990, a ambição de cerca de 30 mil brasileiros se traduziu em investimentos, somados, de quase R$ 4 bilhões no esquema Boi Gordo. A propaganda na tevê, com direito a ator global e merchandising em novela, exaltava a criação de bezerros e a engorda de bois como forma de lucro, mas os ganhos vinham basicamente da entrada de investidores.

O Boi Gordo inchou, tornou-se insustentável e deixou no prejuízo uma multidão de sonhadores. "A ambição é cega. Quando se junta à ganância, então, o resultado é ainda pior", diz Modernell, acostumado a lidar com pessoas que apostam tudo em projetos tentadores, para, em seguida, caírem nas dívidas e no arrependimento. "O triste é perceber que quanto pior a situação financeira, mais a pessoa tende a se iludir, porque ela acredita numa saída milagrosa", acrescenta.

Milagres à parte, o também educador financeiro Reinaldo Domingos espalha o mantra de que "o dinheiro não aceita desaforo" e, por isso, é preciso manter os pés no chão. "Tudo o que cresce exponencialmente e fora da normalidade apresentará uma perda significativa com o tempo", defende ele. "As derrocadas trazem um pouco de ilusão e ambição, mas também ilustram a falta de conhecimento das pessoas. É o que chamamos de analfabetismo financeiro", emenda.

O grupo Avestruz Master, fundado em Goiânia em 1998, massacrou o sonho de 40 mil investidores, a maioria deles enfeitiçada pelas promessas de lucro com a exportação da carne dos animais, que, na verdade, nunca foram abatidos. Os donos do negócio investiram 40 vezes mais em propaganda do que na ração para as avestruzes. Venderam mais de 600 mil animais, quando, na prática, só tinham cerca de 38 mil no pasto. A pirâmide ruiu em 2005.

"O triste é perceber que quanto pior a situação financeira, mais a pessoa tende a se iludir, porque ela acredita numa saída milagrosa"
Álvaro Modernell, educador financeiro 


Correio Braziliense

Nenhum comentário: