A corrupção é uma das piores e mais antigas mazelas brasileiras. Já em 1810, uma irônica cantiga era popular no Rio de Janeiro: "Quem rouba pouco é ladrão, quem rouba muito é barão. E quem mais rouba e esconde passa de barão a visconde". Corrupção e impunidade andam lado a lado desde os tempos coloniais. Mas, se o lado corrupto dos administradores públicos brasileiros é bem conhecido, aos poucos vai sendo exposta a face do corruptor: a atuação de empresas que se valem de pagamentos de propinas para obter vantagens.
Primeira da fila:
a Brookfield foi a primeira construtora a revelar que pagou para ter benefícios no ISS
No caso mais recente e explosivo, de um lado, são investigados, pelo Ministério Público e pela Controladoria-Geral do Município, dez fiscais que trabalhavam na gestão do prefeito de São Paulo Gilberto Kassab (PSD), que deixou o posto em 2012. Eles teriam oferecido descontos tamanho família nos pagamentos do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS ) para empresas do setor de construção. Segundo o fiscal Luís Alexandre Cardoso de Magalhães, em depoimento à polícia sob o regime de delação premiada, os integrantes do esquema chegaram a definir regras: 50% do valor do ISS era descontado, 30% ia para os fiscais, 10% ficava com o despachante e apenas 10% era destinado às contas públicas.
A estimativa é de um rombo de R$ 500 milhões na arrecadação, que as empresas sonegadoras precisarão repor aos cofres públicos. Do outro lado, estão as empresas. Segundo declaração do prefeito Fernando Haddad, do PT, que patrocinou a apuração do desvio, 15 empresas serão ouvidas, num primeiro momento, e outras dez estão na fila. O objetivo da prefeitura é fazer um pente-fino de todos os grandes empreendimentos aprovados na cidade nos últimos cinco anos, o que envolverá praticamente todas as maiores empresas do setor. Pelo menos 652 prédios de luxo estão na lista. O primeiro nome a aparecer na investigação foi o da Brookfield, companhia de capital aberto e com faturamento anual de R$ 3,3 bilhões.
Até a quinta-feira 7, ela havia sido a única a admitir o crime. Outras citadas pelo fiscal delator foram a Trisul, também com ações cotadas na Bovespa, e as construtoras e incorporadoras de capital fechado BKO, Tarjab e Alimonti. Por meio de comunicado, a Trisul e a BKO afirmaram não terem recebido intimações para prestar esclarecimentos e que só se pronunciarão se isso ocorrer. A Tarjab e a Alimonti não responderam à reportagem. Um sexto nome levantado nas investigações foi o do gigante conglomerado Odebrecht, dono de uma empresa de construção imobiliária e de uma empreiteira.
Lentidão:
ação contra Aref, chefe do setor de liberação de obras,
só chegou à Justiça um ano após as denúncias
O grupo baiano, que faturou R$ 76 bilhões em 2012, também negou ter sido chamado a depor. "A Odebrecht nega qualquer participação nas denúncias apuradas", afirmou em nota enviada à DINHEIRO. "A empresa repudia o envolvimento de seu nome nas investigações." Mas como o caso pode prejudicar o setor de construção, e cada uma das empresas que acabarão envolvidas no processo? A Brookfield, pelo menos num primeiro momento, é a mais afetada. Suas ações caíram 17% em uma semana, a partir da sexta-feira 4, quando reconheceu ter desembolsado R$ 4,1 milhões em propinas relativas a 20 empreendimentos entre 2009 e 2012.
Não ajuda o fato de também ter sido uma protagonista de outro escândalo: o chamado caso Aref, que estourou em 2012, ainda na gestão do ex-prefeito Kassab. Segundo esse processo, a empresa teria pago R$ 1,6 milhão para ter os seus shopping centers Pátio Higienópolis e Pátio Paulista liberados para operação. Quatro diretores da incorporadora foram indiciados como réus, assim como Hussain Aref Saab, ex-diretor do setor de Aprovação de Edificações, na gestão Kassab. "Infelizmente, no Brasil, essas práticas são disseminadas e não pegam o mercado de surpresa, a ponto de afetar muito o preço das ações do setor", afirma um analista de investimentos.
"Existe uma cultura de impunidade às empresas." A Prefeitura de São Paulo tem dado indícios de que vai combater a impunidade, mesmo que precise apelar para leis estrangeiras. Ela anunciou que vai denunciar ao governo dos EUA as empresas com ADR, certificados de ações emitidos por bancos americanos, como é o caso da Brookfield. Dessa forma, as infratoras podem ser multadas por terem praticado corrupção no Exterior, conforme prevê a lei americana. "Os impactos desse caso ainda serão sentidos", diz Sérgio Freire, presidente da Brasil Brokers, empresa de consultoria e intermediação imobiliária.
Tempo de limpeza:
o shopping Pátio Higienópolis, em São Paulo,
foi liberado para operar mediante propina
"Podemos ter mais demora na análise de aprovações e revisão de projetos." Fato que pioraria uma situação já ruim. O longo tempo levado pela Prefeitura para liberar as obras, que podem chegar a um ano em projetos grandes, é um dos grandes entraves do setor e um campo propício para os achaques dos malfeitores travestidos de agentes públicos, que, diante das dificuldades, vendem facilidades. A alegação da Brookfield, no caso, é de ter sido forçada a participar da corrupção. "Comparecemos (ao depoimento) espontaneamente, fomos ouvidos como testemunhas e nos consideramos vítimas de extorsão", informou a empresa por meio de nota.
Segundo uma fonte ligada a uma das construtoras citadas, o Sindicato da Habitação de São Paulo propôs às suas associadas que fizessem uma delação em conjunto, em 2012. Mas um grupo delas negou o acordo, com o argumento de não terem aceitado pagar os fiscais. Estes se defendem negando a extorsão. Em um de seus depoimentos, por exemplo, o delator Magalhães afirmou que não havia obrigação para que as empresas participassem do esquema. Segundo o fiscal, o processo era de "conhecimento de todos no mercado de construção civil da capital." Vítimas ou corruptoras, as representantes do setor de construção sairão mais uma vez manchadas de um caso de corrupção. E, dentro ou fora da bolsa de valores, deverão amargar perdas com os impactos do escândalo.
Maluf condenado
O ex-prefeito da capital paulista Paulo Maluf foi condenado pelo superfaturamento na construção de um túnel na década de 1990. A decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, na segunda-feira 4, mantém, em segunda instância, a decisão de 2009, de improbidade administrativa no projeto do Túnel Ayrton Senna, na região sul de São Paulo. Isso pode significar o fim da carreira política do veterano personagem, atual deputado federal pelo PP, aos 82 anos de idade. Segundo a sentença, Maluf está impedido de fazer negócios com o poder público e terá os seus direitos políticos cassados por cinco anos. Ele também precisará devolver aos cofres do município de São Paulo o valor superfaturado, além de pagar uma multa.
Mas, se a semana começou ruim para Maluf, piorou no dia seguinte. Na terça-feira 5, o folclórico político viu o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), rejeitar a suspensão de um inquérito que está investigando o uso de caixa 2 em sua campanha de 2010. Os advogados do parlamentar alegavam que o processo deveria ser suspenso no STF, por já estar sendo julgado pelo Tribunal Superior Federal (TSF). No entanto, Fux considerou que as instâncias penal e eleitoral são independentes e podem avaliar o mesmo caso. Maluf pode ser também incluído na categoria de ficha-suja e ficar impedido de disputar eleições por oito anos. Ele continua negando as acusações de corrupção.
Carlos Eduardo VALIM/Isto é Dinheiro
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