"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

setembro 21, 2013

Antes da galinha


Às vezes, o governo Dilma é tomado pela síndrome do empresário Eike Batista, aquele que se notabilizou por contar com uma profusão de ovos antes de ter a galinha.

É o que parece estar acontecendo também com o primeiro leilão do pré-sal, marcado para 21 de outubro e que prevê a licitação do super Campo de Libra, na Bacia de Santos, do qual se espera um potencial de produção de petróleo entre 8 bilhões e 12 bilhões de barris de 159 litros.

Há meses, o governo vinha proclamando sucesso. É o maior campo disponível do mundo, avisava o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão . “Vamos ter 40 interessados”, calculava a diretora-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Magda Chambriard. “Só esse campo vai exigir a construção de 12 a 17 plataformas de petróleo”, proclamou há semanas a presidente Dilma.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, conta com R$ 15 bilhões apenas em bônus de assinatura para fechar as contas públicas, sem considerar a mais remota possibilidade de eventual adiamento, apesar da mobilização contrária do fogo jurídico amigo. E os políticos do governo têm como garantidas receitas em royalties de R$ 112 bilhões em 10 anos, para despesas com saúde e educação.

E, no entanto, apenas 11 empresas mostraram interesse pelo leilão. Pelo menos 5 das gigantes do setor (Exxon Mobil, BP, BG, Chevron e Statoil) preferiram ficar de fora. E não se sabe ainda se outras duas parrudas, a Shell e a Total, estão mesmo dispostas a participar. A concorrência acirrada que se esperava não acontecerá e já estão postas razões mais sérias que indicam para um desapontamento.



Não fazem sentido os argumentos com que a chefe da ANP, se defendeu da decepção: “Existe um contexto mundial que levou a isso”, disse, dando a entender que as primeiras desistências se deveram a circunstâncias aleatórias, como se um projeto de 35 anos e US$ 400 bilhões em investimentos pudesse ser guiado por questiúnculas de curto prazo.

Há meses, os especialistas vinham apontando problemas na modelagem desse leilão, que agora precisarão de análises mais profundas. Nessas circunstâncias, o modelo de partilha não convém à maioria dos candidatos em potencial. Também é questionável a exigência de ter a Petrobrás como única operadora, sabendo-se com quais custos e com que ritmo trabalha. De alto risco é também a participação no negócio de uma nova estatal, a Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e Gás Natural S.A. – Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA), que não colocará na empreitada um único centavo e, no entanto, terá poder de veto em todas as matérias relevantes.

Há outras questões a considerar, algumas delas apontadas nesta Coluna em outras ocasiões. Uma delas é que está próximo o dia (em 2020) em que o maior consumidor mundial de petróleo, os Estados Unidos, também será autossuficiente em energia, graças à revolução do gás de xisto. Ou seja, está próximo o dia em que o petróleo terá perdido boa parte de sua força estratégica acumulada desde finais do século 19.

Ainda há condições para que o governo Dilma se livre de um vexame licitatório. O que já ocorreu está a exigir mais realismo num campo em que muita coisa não passa de gabolice tupiniquim.


Antipessimismo. 
Nesta sexta-feira, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, insistiu em que, apesar das desistências, o leilão do Campo de Libra, marcado para outubro, será sucesso total. E mais, repisou o argumento surrado do governo de que os analistas é que estão vendo tudo escuro; são pessimistas demais. Admitamos que eles sejam excessivamente pessimistas. Nesse caso, reagem apenas à louvação produzida pelo governo, que os fatos não justificam.

Celso Ming/Estadão

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