"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

agosto 15, 2013

de(S)cênio ! Como conseguem?


É embaraçoso para o governo Dilma: 
como dizer que o automóvel particular a gasolina agora é o bandido, depois de ter passado anos dando-lhe tratamento de rei?
Não é modo de dizer. 
Os carros tiveram seus preços abatidos, via redução de impostos, e as montadoras locais foram apoiadas com proteção e financiamento subsidiado para aumentar a produção. Os compradores também foram brindados com enorme ampliação do crédito - nada menos que R$ 52 bilhões concedidos nos últimos dois anos.

De presente extra, a gasolina com o preço congelado e contido, para segurar a inflação e evitar a bronca dos motorizados.

Agradecidos, os brasileiros, especialmente os da nova classe média, foram à luta, quer dizer, aos bancos e concessionárias, e cumpriram sua obrigação de apoiar o crescimento do PIB. Saíram de carro por aí.

Infelizmente, a Petrobras não conseguiu entrar na festa. Sua produção de petróleo estagnou, as refinarias não deram conta da demanda, as novas refinarias estão atrasadas, de modo que a estatal precisou importar cada vez mais gasolina. E a preços não brasileiros, claro.
Não é de estranhar que o resultado tenho saído muito errado.
 A inflação continuou elevada e o crescimento permaneceu muito baixo. Sempre se pode dizer que tudo teria sido pior com a gasolina e os carros mais caros. Mas pior comparado com o quê? De todo modo, o fato é que muitas outras coisas também deram errado.

A Petrobras, perdendo receita, sendo obrigada a vender gasolina mais barato do que importa, teve que se endividar. E as ruas ficaram congestionadas, pois não se investiu na infraestrutura necessária para acolher os carros e abrir caminhos para o transporte coletivo.


Como consertar isso, considerando ainda mais que a Petrobras precisa de dinheiro, muito dinheiro, para o pré-sal? 
E lembrando que o dólar caro veio para ficar?
Claro, precisa aumentar o preço da gasolina para turbinar as receitas da estatal. Quanto? Se for apenas para equilibrar o preço atual, pelo menos 20%. Se for para recuperar perdas passadas, uns 30%.

Mas isso jogaria a inflação de novo para cima do teto da meta - 6,5% - e provocaria uma justa bronca na classe média. Qual é? Não era para comprar carro?

Que tal, então, um aumento moderado para a gasolina e para o diesel? Ruim também. Talvez pior. Provocaria inflação de qualquer jeito - pois o índice está rodando em torno do teto -, não resolveria o caixa da Petrobras e deixaria todo mundo aborrecido.
E, para complicar, tem mais essa proposta do prefeito de São Paulo, Fernando Hadad, de colocar um imposto de 50 centavos por litro de gasoloina e usar todo o dinheiro para subsidiar e reduzir tarifas de ônibus. Para efeitos de índice de inflação, a redução da tarifa compensaria a alta da gasolina, mas vá explicar para o pessoal que está tudo bem com a gasolina a R$ 4,20.

Imaginem o impacto psicolólogico e social, pois a gasolina subiria em dose dupla, uma para a Petrobras, outra para os ônibus. E, como estes passam a ter prioridade, os brasileiros que micaram com os carros pagarão mais caro para ficar em congestionamento mais demorado.
Como o governo pode ter se equivocado tanto?

Seria uma pergunta cabível se o resto estivesse funcionando. Mas considerem apenas o que tem saído na imprensa nos últimos dias.
As usinas de Jirau e Santo Antonio, em construção no Rio Madeira, vão gerar uma carga de energia que não pode ser levada pela linha de transmissão projetada. Simplesmente queimaria tudo. A linha é insuficiente. Sabe-se disse desde 2010 - e ainda estão discutindo para descobrir de quem é a culpa.
Mas deve estar sobrando energia, não é mesmo? Usinas eólicas estão prontas e paradas há um ano, por falta de linhas de transmissão.

Há uma guerra judicial no setor elétrico, com o governo tentando empurrar para empresas a conta da energia produzida nas usinas térmicas.

Há milho para ser estocado, uma superprodução, e armazéns da Conab fechados por falta de manutenção ou porque estocam milho... velho.

Na política econômica, o Brasil é o único país importante que está subindo juros. É também o único emergente de peso que não pode se aproveitar do momento internacional para deixar a moeda local se desvalorizar o tanto necessário para dar muita competitividade às exportações.
Uma ironia: 
a "nova matriz" do governo, alardeada pela presidente Dilma, se baseava em juro baixo e dólar caro, para ter crescimento elevado. Pois, no momento em que o dólar sobe sozinho, por conta dos EUA, o BC brasileiro tem que elevar os juros e tentar segurar o dólar para controlar a inflação. E lá se vai o PIB.

Uma ironia pedagógica, se é que conseguem aprender com tantos equívocos.
 
 Carlos Alberto Sardenberg O Globo

Um comentário:

Anônimo disse...

Há poucos dias saiu um comentário de uma leitora do Estadão a respeito dos congestionamentos: "Por que nos deixaram comprar tantos carros..." Agora esses carros tem que ser pagos e vão consumir uma gasolina que não existe. Quem ganhou foram os governos com os impostos na compra e IPVA.