"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

maio 16, 2013

Monstrengo à vista


É possível que, a esta altura, ninguém seja capaz de dizer o que exatamente o Congresso está aprovando como nova regra para os portos brasileiros. 
 
A medida provisória 595 foi editada pelo governo sob a justificativa de buscar a modernização do setor, mas o mais provável é que as boas intenções tenham sido jogadas ao mar durante a tramitação.  

Quiçá terá sobrado um monstrengo.

A MP chegou ao Congresso em dezembro do ano passado. Pelas normas regimentais vigentes, se não for votada até hoje, quinta-feira, o texto perderá validade. Com isso, a discussão terá que ser reiniciada. 


Diante da balbúrdia que cercou o encaminhamento e a tramitação da proposta, a caducidade seria o melhor que poderia acontecer.
O ideal é começar do zero.

Até esta manhã, o texto final da MP ainda não havia sido aprovado pela Câmara. A votação em plenário vem sendo feita desde a última segunda-feira, em turnos que ultrapassam 20 horas.
 


Zonzos, os parlamentares são incapazes de dizer o que, afinal, estão aprovando ou rejeitando.
Qualquer um seria.

Concluída a votação na Câmara, o texto que modifica todo o arcabouço legal que rege os portos do Brasil passará a ser apreciado, discutido e votado no plenário do Senado. Menos de 12 horas é o prazo que os senadores terão para tanto.
 


Quem, em qualquer atividade, tomaria, em sã consciência, decisões desta envergadura submetido a tais condições?

Para comprometer ainda mais a qualidade da discussão, os debates - se é que podem ser chamados assim - ocorridos durante a tramitação da MP foram recheados de acusações cabeludas, levantando suspeitas pesadas sobre os interesses envolvidos no assunto. 


 Às vezes são tão complexos que é preciso desenhá-los.

Conflitos desta natureza sempre existirão em matéria legislativa, mas aprovar uma regra que se pretende duradoura para um segmento tão crucial para o futuro do país sem investigar se as denúncias procedem ou não é agir de forma muito temerária.
 

Quando não há sequer a convicção sobre o mérito das mudanças apreciadas, proceder desta maneira beira a irresponsabilidade.

Pelos portos, passam 90% das cargas exportadas e importadas pelo Brasil. Desnecessário dizer como eles são fundamentais para impedir que o país sufoque de vez, asfixiado por uma logística em frangalhos. A capacidade de movimentação dos terminais - 370 milhões de toneladas atualmente - já ultrapassou todos os seus limites.
 


Precisaria mais que isso para justificar atenção especial do governo ao assunto?

A mudança nos portos demandaria um arcabouço legal com a consistência de uma reforma estrutural, em formato de projeto de lei a ser exaustivamente discutido e aperfeiçoado no Congresso. Seria a forma de assegurar que a sociedade, especialistas e todos os setores afetados fossem efetivamente ouvidos e a melhor solução, alcançada.

Foi assim em 1993, quando o governo Itamar Franco aprovou a lei que atualmente rege o setor. O que lá atrás demandou três anos de discussões, o governo quis agora resolver em cinco meses.
 


E ameaça, se for derrotado no Congresso, vetar o que bem lhe aprouver e alterar tudo depois por meio de decretos e regulamentos.

A situação da nossa infraestrutura ficou mais delicada nestes 20 anos, a logística passou a demandar soluções cada vez mais complexas, o país cresceu. Mas o governo petista parece ter achado que bastava ligar o seu trator e passá-lo sobre o Congresso para superar estes desafios.

Talvez o governo Dilma aja desta maneira na ânsia de recuperar o tempo perdido pela resistência dogmática dela e do PT à maior participação privada nos investimentos de que o país necessita. Talvez seja por mera incompetência mesmo. 


O mais provável é que a razão seja uma mistura das duas coisas.

Avançamos para completar o 11° ano de gestão petista e o terceiro do governo da presidente. Mas os problemas do país continuam a ser enfrentados na base do improviso, na undécima hora, numa eterna corrida contra o tempo e embalados em tenebrosas negociações.
 


 Este espetáculo mambembe e aterrorizante só produz monstros e assombrações.

Fonte: Instituto Teotônio Vilela

 Monstrengo à vista

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