"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

dezembro 04, 2012

Energia barata, e inexistente



Para início de conversa:
todos somos favoráveis à redução das tarifas de energia praticadas no país. Isto não significa, porém, compactuar com a maneira truculenta com que o governo federal vem tentando se impor nesta questão. Energia barata é bom, mas de nada vai adiantar se ela simplesmente não tiver como ser produzida, como tende a acontecer com o plano posto em marcha pelo Planalto.

Hoje é o dia D para a renovação das concessões de dezenas de usinas e milhares de quilômetros de linhas de transmissão de empresas de energia. Os dirigentes das companhias estão com uma espada apontada para suas cabeças a lhe cobrar decisões que afetarão o futuro de seus negócios ao longo de décadas. É agora ou jamais.

Visto assim, parece que as empresas foram displicentes, deixando decisões importantes para a undécima hora. Mas o fato é que há anos elas cobravam de Brasília uma definição para a renovação de seus contratos de concessão - que começariam a vencer em 2015 - e por anos o governo petista protelou uma solução. As novas regras só vieram a público há menos de 90 dias, por meio de uma medida provisória, a de número 579, impondo prazos exíguos e condições disparatadas.

Até o fim desta fatídica terça-feira, as empresas terão que assinar contratos cuja vigência chega a 30 anos. Detalhe relevante:
a MP que impõe tal prazo ainda não foi sequer votada no Congresso e tem mais de 400 emendas apresentadas aguardando a apreciação dos parlamentares. Está, portanto, longe de ser um instrumento jurídico perfeito que dê um mínimo de segurança a decisões tomadas com base nela.

Diante de tamanha escuridão, ontem a Cesp recusou-se a aderir às novas regras para a renovação de suas concessões, juntando-se à Copel, que só aceitou revalidar os contratos de suas linhas de transmissão. A Cemig decidirá hoje o que fazer. Também ontem, numa polêmica assembleia, a Eletrobrás, cujas ações amargam perda de quase 40% em três meses, impôs a aceitação dos novos contratos goela abaixo de seus acionistas minoritários.

Desde o malfadado 11 de setembro, as empresas de energia elétrica entraram numa espiral descendente. Seu negócio perdeu dezenas de bilhões de reais em valor de mercado a partir do momento em que o governo anunciou a intenção de baixar as tarifas de energia em 20%, em média, a partir do próximo ano. Para uma intenção louvável, medidas totalmente descalibradas.

O governo petista tenta moldar a discussão de modo a enquadrar os críticos das novas regras na condição de opositores da energia barata. Nada disso:
o que se busca evitar é um salto no escuro que transforme o setor energético em mais um fator de insegurança para o futuro do país. Para continuar a gerar, transmitir e distribuir eletricidade, as empresas precisam de rentabilidade mínima compatível com seus investimentos de longuíssimo prazo.
Sem isso, não haverá energia suficiente para iluminar o caminho.

Há exemplos de sobra de que a gestão petista age atabalhoadamente. Um dos pomos da discórdia é o valor das indenizações a que as companhias de energia terão direito por investimentos já realizados. Em setembro, o governo anunciou que pagaria R$ 20 bilhões pelos ativos. Depois de grita generalizada, Brasília admitiu que errou nos cálculos e reviu as contas. Na semana passada, concluiu que terá de pagar R$ 10 bilhões a mais, ou seja, falhou em módicos 50%...

Tal como estão as regras, a consequência mais previsível das medidas será impor um brutal enxugamento ao setor elétrico, que hoje, claramente, já demonstra não estar dando conta de prover energia em qualidade e quantidade suficientes para a expansão do mercado. Os repetidos apagões são a prova mais evidente de que os problemas existem e não comportam soluções simplistas, muito menos atitudes populistas e irresponsáveis.

Até aliados do PT criticam o novo modelo, que vem sendo gestado desde a época em que Dilma Rousseff era ministra de Minas e Energia. "O que vai haver é que não vai ter como operar o sistema todo, o país é imenso, como fazer a manutenção da linha, dos transformadores, eles já estão tendo problemas. (...) Isso vai piorar, e muito", disse recentemente Luiz Pinguelli Rosa, presidente da Eletrobrás à época do governo Lula, à Folha de S.Paulo. 

Outra consequência daninha deverá ser a enorme dependência que as estatais federais de energia passarão a ter em relação ao Tesouro. A Eletrobrás perderá R$ 9 bilhões anuais em receitas e, para fazer frente a suas obrigações, provavelmente terá que ser socorrida pelo acionista controlador, a União. Ou seja, o governo concede tarifas mais baixas ao consumidor por um lado e, de outro, tira do contribuinte os subsídios - ou seja, o meu, o seu, o nosso dinheiro - que cobrirão os rombos.

A União tem vários outros instrumentos para realizar a tão desejada redução das tarifas. Pode começar cortando parte dos tributos e das taxas que encarecem as contas em quase 50% - mas não vale maquiagem, ou seja, reduzir só os encargos que o governo acabou de subir... Também valeria impor eficiência às descontroladas subsidiárias estaduais da Eletrobrás, um manancial de prejuízos.


Infelizmente, o setor elétrico é apenas uma das áreas que sofre com a desenfreada interferência estatal no país. A instabilidade que emana de Brasília pôs em xeque os investimentos na expansão de um segmento vital para o futuro do Brasil. É esta mesma falta de perspectivas que está jogando toda a economia para o buraco. Sem luz, tudo fica bem pior.
Fonte: Instituto Teotônio Vilela
 Energia barata, e inexistente 

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