Não há muito tempo, quando o País ainda tentava sair de duas décadas de estagnação, tornou-se usual comparar nossas desventuras ao voo de uma galinha. A comparação remetia à vulnerabilidade do balanço de pagamentos que demandava desvalorizações cambiais espasmódicas, que pressionavam a inflação e exigiam elevações periódicas nas taxas de juros, estancando o crescimento.
Muita coisa mudou.
O excesso de reservas, quem diria, passou a ser visto como um problema.
A economia, no entanto, voltou a patinar.
Estamos parando.
Culpar apenas a crise internacional é descabido. Seria melhor se o mundo não tivesse se transformado num lugar tão perigoso, mas as conexões que mantemos com o resto do globo são limitadas. O Brasil é uma economia ensimesmada. Somos locais.
As exportações representam uma parcela pequena do PIB, o financiamento internacional é apenas complementar, os bancos brasileiros dominam o mercado, o financiamento da dívida pública é feito quase totalmente por brasileiros.
Nossa estagnação reflete, predominantemente, nossas próprias fraquezas e é, na sua maior parte, explicada pela conjugação entre o esgotamento de um ciclo de endividamento acoplado ao exaurimento do padrão de crescimento industrial. A história do crédito é conhecida. Em números:
nos dez anos terminados em 2011, o crédito total na economia brasileira cresceu mais de 500%.
No ano passado, no entanto, a inadimplência deu um salto (35%), continuou crescendo e forçou os bancos a uma política de crédito mais seletiva.
Um típico sofisma da composição, ensinado no primeiro ano dos cursos de Economia. Se cada um dos bancos corta o crédito, todos, no conjunto, tendem a ter mais inadimplência (porque a produção e a renda se contraem). Assim funciona uma economia de mercado (a alternativa seria uma planilha do Gosplan, o que ainda não se cogita).
Com o tempo - nada como o tempo para passar - as famílias vão gradativamente recuperar a capacidade e o apetite para um novo ciclo de crédito.
A vulnerabilidade da indústria é mais complexa, porque nem o tempo resolve.
O setor vem sendo esmagado por custos crescentes e progressiva exposição aos produtos importados. Também em números:
nos dez anos terminados em 2011, o custo da energia elétrica industrial aumentou 165%, para uma inflação medida pelo IPCA de 88%.
Os salários industriais, por sua vez, subiram 134%, ao passo que o recolhimento de IPI saltou quase o mesmo, 133%.
O valor do dólar, no entanto, caiu 28%, o que ofereceu a indústria à concorrência predatória das importações (a importação de bens duráveis, medida em reais, subiu 764% nesse período). Nesse contexto, o único "espírito animal" que ainda resta no empresariado é o medo, muito medo.
Mitigar essa defasagem exigiria ganhos de produtividade extremamente significativos, o que não está na pauta.
O Insead divulgou, há dias, pesquisa internacional sobre inovação e ambiente de negócios que realizou em conjunto com a Organização Internacional de Propriedade Intelectual.
O Brasil foi classificado em 58.º lugar, atrás de países como Jordânia, Croácia e Omã. No quesito "ambiente de negócios" ficamos em 127.º lugar, atrás do Burundi.
As frenéticas medidas pontuais que o governo vem tomando não resolverão nossos problemas estruturais. Reformas amplas, por outro lado, estão além do raio de manobra política da atual gestão, que se equilibra sobre uma coalizão bizarra e fica, assim, premida por interesses difusos e contraditórios.
Resta torcer para que a Europa não se desintegre, que a China passe muito bem e que o tempo se encarregue de preparar um novo ciclo de consumo baseado no crédito.
Sem mudanças estruturais, porém, mais uma vez parte expressiva desta demanda vazará para o exterior na forma de aumento das importações, o que poderá tornar o crescimento cronicamente mirrado.
Galinhas não voam. Galinhas ciscam para trás.
Luis Eduardo Assis O Estado de S. Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário