Mundo em recessão desnuda as deficiências da economia brasileira, que prioriza medidas de curto prazo em vez de promover reformas para o desenvolvimento sustentado. O megainvestidor Warren Buffett, terceiro homem mais rico do mundo, sabe como poucos o segredo da multiplicação do dinheiro. Não à toa, suas declarações ganham dimensões extraordinárias por mais irrelevantes que sejam.
Pois veio de Buffett uma frase que traduz de forma simples e clara o Brasil de hoje:
"Quando a maré baixa é que descobrimos quem estava nadando nu".
Até o fim de 2010, o país, mesmo com todas as suas deficiências, tirou proveito do maior ciclo de crescimento global em três décadas. Mas bastou o planeta botar o pé do freio e afundar em uma recessão que pode durar anos, para que a economia brasileira revelasse a sua face real.
Sem transformações estruturais de longo prazo, agarrada ao imediatismo, mantém o pé na mediocridade que a condena a crescer aquém do seu potencial e de suas necessidades. O resultado desse quadro desolador se reflete nas estimativas do mercado e do próprio governo, que insiste no discurso de que o país já recuperou as forças e está pronto para avançar entre 4% e 5% ao ano. Diante do que se vê na indústria e no varejo, e mesmo no setor agrícola, se o Produto Interno Bruto (PIB) crescer entre 2% e 2,5% neste ano, a presidente Dilma Rousseff terá que se dar por satisfeita.
Apesar de sua fama de boa gestora, não conseguiu tirar do papel as reformas que atacariam os velhos entraves ao desenvolvimento sustentado. Limitações na infraestrutura de transportes, pesados custos de produção e enorme burocracia para os negócios vão produzir o segundo PIB raquítico de sua administração.
Pior:
mesmo com toda a pressão do setor privado por ações concretas pró-crescimento, é possível que os próximos dois anos consolidem o chamado voo de galinha. Para analistas ouvidos pelo Correio, a urgência das reformas está ficando cada vez mais evidente ante o esfriamento da economia mundial e, sobretudo, a desaceleração da locomotiva chinesa, principal parceiro comercial do Brasil.
O que assusta os especialistas é que, para enfrentar as adversidades, o governo optou, mais uma vez, por medidas de curto prazo, voltadas para o aumento do consumo de famílias já superendividadas e para atender a lobbies de setores mais organizados, como o automobilístico.
O Palácio do Planalto, com o empenho do Ministério da Fazenda, está se apoiando na maior oferta de crédito, com juros bancários menores (a taxa Selic está em 8,5%, o menor nível da história), e na desoneração dos carros zero.
Mas, para os especialistas, a minguada expansão de 0,2% do PIB no primeiro trimestre do ano em relação ao último de 2011 confirma o esgotamento de um modelo que deu certo na crise global de 2008 e 2009.
Declínio do PIB
O economista Sérgio Vale, da MB Associados, é taxativo. "Sem contar com os ventos favoráveis do mercado global, restará ao país retomar a agenda reformista, como privatizações e reduções permanentes de custos, para investir e produzir mais e melhor, esperando colher frutos menos imediatistas."
Ele diz mais:
"A essa altura, já está claro para todos que o governo não considera mais o tripé formado por meta de inflação, superavit primário e câmbio flutuante como essencial ao crescimento". O que se vê é uma busca enlouquecida pelo crescimento econômico a qualquer custo, sem um bom planejamento. Tanto que nem os investimentos públicos, especialmente os de empresas estatais, que poderiam estar dando um fôlego maior à economia, estão sendo executados na velocidade esperada. O próprio governo está se enrolando na burocracia, que, muitas vezes, facilita a corrupção.
Os especialistas sustentam que o primeiro trimestre foi o pouso do declínio do PIB iniciado no fim de 2010, encerramento da era Lula. E, para crescer mais, será preciso que a máquina pública corte os gastos de custeio e acelere os investimentos em infraestrutura. A economia que cresceu 7,5% em 2010 virou um pibinho em 2,7% no ano passado e deve ficar ainda menor em 2012. "O consumo não consegue sustentar a economia por muito tempo.
Precisamos incentivar a competitividade, o aumento da produtividade e as exportações de manufaturados", acrescenta o economista Renato Fonseca, gerente executivo de pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Em vez do afrouxamento fiscal em favor da demanda da famílias, o setor produtivo torce por programas de desoneração de tributos vinculados a estratégias empresariais.
José Luís Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), aponta o endividamento das famílias como o mais forte sinal de que a política econômica exige correções de rumo. Com 45% da renda comprometida com juros e prestações de dívidas, é mínimo o espaço para o brasileiro ampliar o consumo, mesmo com estímulos fiscais e monetários. Para se ter ideia, nos Estados Unidos, incluindo automóveis e hipotecas, o comprometimento da renda livre com débitos está em 16%.
"O modelo de crescimento baseado mais no consumo que no investimento está fazendo água. A desindustrialização acelerada dos últimos seis anos também tirou a capacidade de colaboração do setor produtivo mais dinâmico da economia", acrescenta Oreiro.
"O leque de medidas anunciado para estimular a economia pode até ser correto. O problema é que as soluções encontradas não estão devidamente amparadas por um plano de desenvolvimento de longo prazo", observa Victor Leonardo de Araújo, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
"O ideal é dobrar a taxa de investimento público, de apenas 2,5% do PIB, enquanto se busca vencer gargalos de competição externa, como câmbio e infraestrutura", diz.
Fragilidade
Essa seria uma forma de reduzir a fragilidade das contas externas do país, com exportações concentradas em produtos básicos. Araújo lembra que, de 2005 a 2011, a participação dos produtos básicos (agrícolas e minérios) passou de 29,3% para 47,8% na pauta de vendas ao mercado internacional, enquanto a de industrializados recuou de 55,1% para 36%.
Para piorar, em setores industriais de mais alta intensidade tecnológica, o conteúdo importado é crescente, e a produtividade do país está estagnada há 30 anos.
Sendo assim, o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, admite que a redução de taxas de juros de empréstimos promovida pela instituição só amenizará os problemas estruturais, pois resolverá o problema da competitividade da indústria, "que sofre com custos, carga tributária, taxas de câmbio e dificuldades de logística".
Os mais pessimistas acreditam que as concessões de infraestrutura à iniciativa privada e a criação de produtos do mercado financeiro para popularizar o investimento de longo prazo em grandes projetos seriam uma saída. Em paralelo, outro impulso viria da simplificação tributária e da melhora no ambiente de negócios.
Conta do atraso
Levantamento do Banco Mundial (Bird) sobre o tempo que empresas gastam para pagar tributos em vários países mostra o Brasil em uma incômoda média de 2,6 mil horas por ano — o dobro da mundial (1,34 mil horas) e três vezes maior que a da China (872). Não por acaso, a burocracia será o principal fator de limitação de crescimento das empresas em 2012, segundo o estudo International Business Report (IBR), da Consultoria Grant Thornton.
O grande número de trâmites necessários à realização de negócios é apontado como entrave à expansão por 52% dos empresários. Os brasileiros são os que mais se preocupam com a burocracia, com índice muito acima da média global (33%).
SÍLVIO RIBAS Correio Braziliense
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