O crédito pré-aprovado do Cartão BNDES, destinado a viabilizar investimentos de empresas com juros mais baixos do que os de mercado, está sendo desvirtuado por empresários.
Uma das práticas mais comuns é a compra de um bem, normalmente uma caminhonete, que é vendida em seguida para reforçar o caixa dessas firmas.
Um empresário da capital federal contou, sob a condição de anonimato, que foi dessa forma que fechou as contas de seu negócio no mês passado.
Ele usou o cartão para comprar três caminhonetes novas, já que pela regra do banco apenas veículos utilitários podem ser adquiridos com esse tipo de crédito.
Os automóveis não rodaram um quilômetro sequer. Foram vendidos logo após a compra por pouco menos dos R$ 45 mil que constavam na nota fiscal da concessionária.
A manobra ilegal é simples.
O veículo é comprado com os recursos desse empréstimo pelo qual o empresário pagará juros muito mais baixos do que os de mercado e vendido sem uso. O dinheiro vai para o caixa da empresa e entra na contabilidade como capital de giro.
Se o empresário tivesse financiado os veículos em bancos privados, pagaria juros de cerca de 27% ao ano. É uma taxa próxima do custo financeiro do capital de giro no país: em média 26% ao ano, de acordo com os dados mais recente do Banco Central.
Com a operação irregular, os beneficiários do cartão BNDES que driblam as normas conseguem reforçar seu caixa e tocar seus negócios com dinheiro que custa cerca de 8% a 9% ao ano.
No setor que concentra as principais revendas de veículos de Brasília, a fraude é conhecida.
Esse cartão é um prato cheio para quem precisa de recurso rápido diz o gerente de uma das maiores agências de automóveis, que também prefere não aparecer.
Em outro ponto de vendas de veículos, conhecido como "Cidade do Automóvel", Tiago Saraiva, que é dono de uma agência de carros usados, conta que há alguns meses começou a receber propostas para comprar veículos financiados pelo cartão BNDES. Ele relatou ao GLOBO que é um jeito muito rápido e seguro para conseguir dinheiro.
O jovem empresário explica que, como em qualquer mercado, dependendo da necessidade e da pressa do vendedor, o deságio do bem na hora de vender é menor ou maior.
Uma vez, uma pessoa chegou aqui me oferecendo um carro zero que ela ainda nem tinha tirado da concessionária. Eu teria que buscá-lo na loja. Ele compraria o veículo com o cartão BNDES e pagaria R$ 42 mil. Eu pagaria pelo carro R$ 38 mil afirma Saraiva.
Esse dinheiro no caixa das empresas que participam da fraude leva a uma outra distorção. Como custa muito mais barato do que os recursos captados por seus concorrentes, o capital do BNDES emprestado a esses empresários resulta em uma competição desleal no mercado.
Estão desvirtuando um produto que foi criado para fomentar o crescimento do país diz o professor do Ibmec César Frade.
Na opinião do professor, o banco que repassa esses recursos deveria monitorar como o dinheiro é aplicado. Praticamente todos os empréstimos do BNDES são feitos por meio de uma outra instituição.
Como o banco de fomento tem poucos funcionários e não tem estrutura para atendimento ao público fora do Rio de Janeiro, são os bancos comerciais que repassam o dinheiro do BNDES a seus clientes. E eles ganham uma porcentagem da operação.
É esse banco que tem o relacionamento com o cliente e não o BNDES. É a instituição que conhece seu cliente e que pode fiscalizar argumenta Frade.
O empresário Tiago Saraiva acredita que os juros altos cobrados pelos demais bancos são o culpado pela fraude. E explica que uma providência simples, como alienar o veículo pelo BNDES, evitaria a manobra.
No financiamento feito pelos demais bancos, o veículo serve de garantia do pagamento do empréstimo, frisa. E o nome do banco só sai do documento do carro após a quitação do automóvel.
Essa providência já restringiria o golpe diz. Se tivesse alienação, já impedia esse tipo de golpe.
A assessoria do BNDES informou que até agora não tinha recebido nenhuma denúncia relacionada ao tema. Enfatizou que é proibido usar o cartão para fazer capital de giro.
E que, após a denúncia, o BNDES está trabalhando para aprimorar essas práticas e controles. Uma das medidas em estudo é justamente fazer a alienação fiduciária dos veículos financiados por meio do cartão.
O Globo
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