Segundo o Banco Central, diante do apetite dos brasileiros por produtos importados, da dificuldade da indústria de competir lá fora, do incremento das viagens internacionais e das fortes remessas de lucros pelas multinacionais, o rombo nas transações correntes com o exterior teve de ser revisto para cima.
Ou seja, em vez de US$ 65 bilhões, o buraco fechará este ano em US$ 68 bilhões.
Essa forte dependência de capital estrangeiro, segundo os especialistas, é o principal motivo de o governo estar recorrendo a medidas paliativas para conter o derretimento do dólar frente ao real em vez de um arsenal verdadeiramente poderoso.
Uma postura mais radical do Ministério da Fazenda, como o controle de capitais, poderia afugentar de tal forma os investidores, que faltariam recursos para financiar o deficit em transações correntes.
O BC poderia até recorrer às reservas internacionais para suprir as necessidades. Mas a desconfiança em relação ao país só agravaria os problemas. No passado, todas as vezes em que o Brasil quebrou, a crise começou no câmbio.
A dependência da economia brasileira de recursos que vêm de fora é antiga. E o motivo é um só: o país não dispõe de poupança suficiente para financiar o seu crescimento.
Pelas contas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de poupança encerrou 2011 em 17,3% do Produto Interno Bruto (PIB). É a pior relação entre nas nações que formam os Brics.
Na China, governo e população economizam 53,8% do total das riquezas. Por isso, o país é um dos campeões mundiais em investimentos em infraestrutura. Na Índia, a taxa chega a 35,4% e na Rússia, a 28,2%.
Diante desse quadro, o diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP), Yoshiaki Nakano, é taxativo:
se o deficit em conta-corrente continuar aumentando, o governo ficará sem margem de manobra para conter a valorização do real ante o dólar.
A seu ver, nem mesmo a volta do câmbio fixo em substituição ao sistema de taxas flutuantes seria viável com um rombo externo crescente.
"Com um deficit crescente, o espaço para o governo agir ficará menor. Hoje, felizmente, o país tem reservas internacionais (de US$ 362 bilhões), que ajudam bastante", comentou. José Luís Oreiro, professor de economia da Universidade de Brasília (UnB), compartilha dessa visão.
"A tendência é que o deficit piore, pois, hoje, as exportações estão infladas pelo aumento dos preços dos produtos básicos que o país exporta", disse.
Pelos dados do BC, o buraco nas contas externas em 2012 será maior que o previsto porque a balança comercial se mostrou fraca neste início de ano — a previsão inicial era de superavit de US$ 23 bilhões, mas esse número caiu para US$ 21 bilhões.
Alguns economistas são ainda mais pessimistas e projetam saldo de US$ 17 bilhões. O rombo na conta de serviços, que engloba os gastos dos brasileiros com viagens internacionais, aluguel de máquinas e equipamentos lá fora, também foi revisado e aumentou em mais US$ 3 bilhões.
No total, o buraco das transações correntes passou de 2,45% para 2,57% do PIB.
Investimentos
A grande preocupação dos economistas está na forma como o deficit será financiado a partir deste ano. Pelas projeções do BC, diferentemente de 2011, o Investimento Estrangeiro Direto (IED) não ingressará no país em volume suficiente para cobrir o rombo.
Enquanto o buraco se aproxima dos US$ 70 bilhões, o IED deve ficar em US$ 50 bilhões. A diferença terá de vir do capital especulativo — dinheiro de estrangeiros mais sensível ao humor dos mercados, podendo deixar o país a qualquer momento.
Carlos Kawall, economista-chefe do Banco Safra, considera que, em função do excesso de dinheiro em circulação no mundo, o Brasil ainda pode se dar ao luxo de ter um deficit externo com tendência de alta.
Ele fez, porém, um alerta:
"Sabemos como o passado nos puniu por causa da dependência por capitais. Por isso, sempre vale a pena a reflexão sobre nossas contas externas".
Por enquanto, o governo considera positivo o fluxo de investimentos para o setor produtivo brasileiro. Nas projeções do BC, o primeiro trimestre do ano deve fechar com um ingresso de US$ 13 bilhões, valor que, anualizado, superaria as previsões e ficaria em US$ 52 bilhões.
Na avaliação de Túlio Maciel, chefe do Departamento Econômico do BC, não há nada a temer em relação ao deficit nas transações correntes. "Economias emergentes têm a característica de necessidade de poupança externa", ponderou.
Em fevereiro, especificamente, o rombo nas contas externas ficou em US$ 1,7 bilhão, abaixo das previsões de US$ 2,5 bilhões do mercado. Em março, deve atingir US$ 4,5 bilhões.
Gasto recorde no exterior
O brasileiro gastou como nunca no exterior em fevereiro. Não à toa, o deficit na conta viagem atingiu US$ 1,1 bilhão, o maior patamar para o mês, segundo levantamento realizado pelo Banco Central desde 1947.
Frente a fevereiro de 2011, o rombo foi 48,35% maior.
No primeiro bimestre, houve incremento 27,14% no deficit. Para o chefe do Departamento Econômico do BC, Túlio Maciel, o carnaval foi o principal motivo para a expansão das despesas dos brasileiros.
A tendência, acrescentou ele, é de que a diferença entre o que os turistas estrangeiros gastam no país e o que os brasileiros deixam lá fora seja maior em todo o ano de 2012.
Tanto que a autoridade monetária reviu ontem para cima a projeção de deficit no ano: de US$ 14,5 bilhões para US$ 15,5 bilhões.
VICTOR MARTINS » ROSANA HESSEL Correio Braziliense
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