"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

fevereiro 07, 2012

Ninguém sabe quanto custará a Copa

A Torre de Babel, segundo a Bíblia, foi construída na Mesopotâmia, pelos descendentes de Noé. A decisão era fazê-la tão alta que alcançasse o céu.

Esta soberba provocou a ira de Deus que, para castigá-los, confundiu-lhes as línguas e os espalhou por toda a Terra.

O mito vem à tona no acompanhamento dos gastos da Copa 2014. Para começar, existem pelo menos 5 portais na internet com dados globais sobre o evento, criados pela Controladoria Geral da União (CGU), Senado Federal, Tribunal de Contas da União (TCU), Ministério do Esporte e Instituto Ethos.

Apesar da louvável intenção de dar transparência ao megaevento, faz-se necessário o trânsito permanente de informações entre os governos municipais, estaduais e federal para que os sites estejam sempre atualizados, o que infelizmente não está acontecendo.

Assim, ganha um doce quem conseguir dizer quanto custará a Copa do Mundo 2014.

A Controladoria Geral da União (www.portaldatransparencia.gov.br), por exemplo, informa que os investimentos em aeroportos, portos, estádios, mobilidade urbana e os financiamentos para novos hotéis custarão R$ 27 bilhões.

Aliás, faltando 28 meses para o início do mundial, o próprio site do governo federal evidencia o atraso da programação, ao mostrar que somente R$ 9,9 bilhões (37%) foram contratados e apenas R$ 1,4 bilhão (5,2%) foi pago.

Lentidão à parte, convém ressaltar que os R$ 27 bilhões correspondem somente ao chamado Primeiro Ciclo, não incluindo itens como segurança, telecomunicações, infraestruturas energética e turística, saúde e qualificação profissional.

Mesmo o valor previsto para a etapa inicial (R$ 27 bilhões) está longe da realidade. Os financiamentos públicos para hotelaria, por exemplo, deverão ser muito maiores do que os que estão lançados no portal.

Os R$ 350,1 milhões contratados até agora destinam-se à implantação de dois novos empreendimentos, em Botafogo e Copacabana, à revitalização do Glória e à instalação de hotel em Aparecida do Norte (SP).

Muito provavelmente, outros hotéis serão construídos. O valor total disponibilizado pelas linhas de financiamento do BNDES e dos Fundos Constitucionais (Norte, Nordeste e Centro-Oeste) para essa finalidade é de R$ 1,9 bilhão, podendo ser ampliado conforme a demanda.

Outro exemplo de discrepância gritante entre o valor orçado e o real é o Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha. O custo frequentemente divulgado é de R$ 688,3 milhões.

Nesse montante, porém, não está incluída a cobertura da arena que acaba de ser licitada, elevando o dispêndio para cerca de R$ 850 milhões.

Também não constavam da previsão original as despesas com o gramado, a iluminação, as cadeiras, os elevadores, dentre outros "deta lhes". Ou seja, a estimativa do Governo do Distrito Federal refere-se, basicamente, à estrutura de concreto. Algo como se fosse possível calcular o custo de uma casa sem telhado, piso, luz etc...

De fato, encontrar o custo real do elefante branco em construção na Capital não é tarefa fácil. O valor de R$ 688,3 milhões (sem cobertura, gramado etc..) ainda é informado nos sites da CGU e do Ministério do Esporte (www.copa2014.gov.br).

No site do Instituto Ethos (www.jogoslimpos.com.br) encontra-se R$ 745,3 milhões.

No site do Senado ( www.copatransparente.gov.br) consta R$ 671,1 milhões. Até mesmo a foto do estádio que ilustra os portais do Tribunal de Contas da União e do Ethos é a da ver são inicial do projeto, já completamente alterada.

Quanto à execução financeira, embora estejamos em fevereiro de 2012, os dados mais recentes computados no portal do Senado (30/6/2011) mostram que foram pagos R$ 223,8 milhões dos R$ 671,1 previstos (33%).

No site da CGU os valores executados até 9 de novembro de 2011 somam R$ 73,99 milhões dos R$ 688,3 milhões previstos (11%). Para o governador Agnelo Queiroz, as obras já estão na metade.

Assim como ocorre com o estádio em Brasília, os portais divulgam informações desatualizadas, incompletas e até contraditórias sobre outros empreendimentos, nas diversas cidades- sede. A promessa de que qualquer cidadão poderia acompanhar os custos da Copa ainda não foi cumprida.

É urgente, portanto, que seja criada uma sistemática regular de alimentação e atualização desses portais, para que atendam à finalidade para a qual foram criados.

Até porque — ao contrário do que foi dito inicialmente — os recursos públicos é que irão custear a festa. Assim, é natural que os brasileiros queiram saber o total dessa conta.
Com a verdadeira "babel" de informações, não se chegará ao céu.

Na prática, até agora, ninguém sabe quanto custará a Copa, nem mesmo a Dilma que chegou do Haiti.

GIL CASTELLO BRANCO é economista e fundador da organização não governamental Associação Contas Abertas.
E-mail: gil@contasabertas.org.br.

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