"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

novembro 13, 2011

E NO "BRASIL MARAVILHA" : O que nós somos: um país emergente ou um país rico?

De relance, a questão parece ociosa.

As transformações em curso no mundo começam a forçar uma resposta.
Parte é por conveniência do mundo rico, que espera ratear com os emergentes, sobretudo China e Brasil, o custo do ajuste da Zona do Euro.

E parte é porque nossa política externa é ambígua, com demandas ora de potência, ora de subdesenvolvido.

Demanda típica de quem se vê muito acima do pelotão de países sem voz ativa nos fóruns internacionais e em pé de igualdade com o que é chamado de potência — basicamente EUA, China, Rússia, Inglaterra e França, únicos com lugar cativo e poder de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas —, é o pleito por uma vaga permanente.
Outra é por maior poder no Fundo Monetário Internacional (FMI).

Sob direção da francesa Christine Lagarde, o FMI deu sinal de que está pronto para atender o desejo, começando pela inclusão do real na cesta de moedas que compõem a divisa escritural do organismo.

É o chamado Direito Especial de Saque, SDR, na sigla em inglês, hoje composto apenas pelo dólar, euro, iene e libra. Em 2015, conforme a agenda do FMI, tais critérios seriam revisados.

Em nota oficial, porém, a direção do Fundo disse sexta-feira que vai antecipá-la.

A mudança viria para flexibilizar os conceitos de moeda como meio de pagamentos e reserva de valor. Hoje, o FMI aceita apenas moedas conversíveis, o que implica ao país emissor manter portas abertas para os fluxos de capitais.

Isso pode ser mitigado.
No contexto da crise global, parece uma mudança sob medida para enquadrar o real e o renminbi, a moeda da China.

Nem um nem outro tem portas 100% escancaradas para o capital estrangeiro.
Na China, há uma fresta.

Não só. O governo chinês mantém o renminbi (ou yuan, como também é conhecido) desvalorizado para alargar a competitividade de suas exportações industriais.

Mas a China tem US$ 3,2 trilhões em caixa como reservas, e o Brasil, US$ 352 bilhões. É nisso que o FMI está de olho? A entidade, sim.

Com maiores aportes, poderá contribuir mais com os planos de resgate de dívida dos países europeus.

Mas o time podre de rico, com caixa gordo e mão fechada, como a Alemanha, na Europa, mas também os EUA, e indiretamente a própria China, anseia por algo maior: novos mercados sem restrições para suas exportações, compensando a estagnação no mundo avançado.

O risco do precedente

Se abrir o precedente, aceitando incluir o real na cesta dos SDR, o governo Dilma Rousseff acabará forçado a novas concessões, como se comprometer com volatilidade baixa do real, maior transparência das regras monetárias e cambiais, talvez não mais impedir o FMI de divulgar o seu relatório anual de auditoria das contas nacionais — o chamado Anexo 4, a que todos os países associados se submetem.

A China também.
Mas lá o FMI checa o que lhe é permitido checar. No fim, tudo isso é bom, ninguém há de criticar. Mas dificilmente o governo poderá maquiar superávit primário, como fez em 2010, apropriando parte da capitalização da Petrobras feita com o aporte do Tesouro como se fosse receita operacional.

O IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) sobre o capital externo seria malvisto. No limite, seria crescente a pressão pela conversibilidade do real.

6º maior PIB; IDH, 86º

As ambiguidades se avolumam.
Somos a 6ª maior economia do mundo, por exemplo, pelo Produto Interno Bruto (PIB). Tal medida nos faz um país rico. Pela renda per capita, somos o 102º, segundo ranking do The World Factbook, da CIA, e 86º no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das Nações Unidas. Somos pobres em tais listas.

Como tais coisas se encaixam com o pleito por maior poder no FMI e o status que a entidade cogita dar ao real?

Faz nexo com o real depreciado ou cercado para não se apreciar?
O governo poderia por trava na importação de carros, como fez em setembro, ou dizer que atrasará até dezembro a liberação de guias de importação?

Aliás, como uma coisa dessas é anunciada? Não se diz, faz-se somente.

Ambiguidade do crédito

A impressão é que se vai decidindo pontualmente, sem uma visão de conjunto. Vejam a decisão do Banco Central de afrouxar as medidas prudenciais tomadas em dezembro para esfriar o crédito ao consumo e, assim, a inflação.

Foi o que o liberou da neura da Selic. Mas agora, com o governo preocupado com a forte desaceleração do PIB, o BC quer vitaminar o consumo. Como o PIB rateia pela indústria e ela pelas importações, não pelo nível do consumo em baixa, o que pode ocorrer é o oposto do pretendido.

A demanda bombada a crédito vai vazar ainda mais para fora, não ajudando a indústria e o PIB.

A complexidade é maior

A questão mal trabalhada é que a economia, a sociedade, o jogo de poder no mundo, tudo isso já estava complexo demais para um estilo de administração pouco à vontade para discutir as decisões — e com o Congresso alienado, ministros grosseiros.

Onde se viu um deles — Carlos Lupi, do Trabalho — afirmar que, para tirá-lo do cargo, "só abatido à bala", desafiando a presidente.
Depois, intimado a se retratar, ele declarou:
"Eu te amo, peço desculpas todo dia".

Foi baixaria, acentuando a apreensão sobre se setores do governo estão à altura dos desafios do mundo em transformação.

É preciso maior qualidade, quando até velhas verdades da economia não servem mais.
Ambiguidades denotam dúvidas. E voluntarismo só as agrava.

Antônio Machado/Correio Braziliense

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