"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

setembro 18, 2011

A REPÚBLICA DA VADIAGEM REMUNERADA : "Horinha" a mais que custa caro


A Câmara estava cheia e o painel registrava que 464 deputados apareceram em plenário na última terça-feira.

Às 19h, a deputada Rose de Freitas (PMDB-ES), que presidia a Mesa Diretora naquele momento, prorrogou a sessão por mais uma hora.
É a partir desse horário que se forma uma fila de servidores no térreo do Anexo IV, um prédio a 500m do plenário, afastado das dependências reservadas à rotina legislativa da Casa — ali, as luzes já estão apagadas e as salas fechadas.

Esses funcionários têm único objetivo:
faturar horas extras mesmo sem ter trabalhado.
Os servidores, que já encerraram o expediente e estão longe da Câmara, monitoram se a Presidência da Mesa vai prorrogar a sessão. Prorrogada, deslocam-se para o térreo do Anexo IV para registrar a presença nos dois pontos de controle biométrico próximos aos balcões das companhias aéreas — há outros desses pontos próximos ao plenário, esses sim utilizados por quem de fato está em atividade.

Eles têm até as 19h20 para concretizar a fraude.
Depois, precisam aguardar até as 20h30 para marcar a saída e garantir o pagamento no contracheque.

Alguns aguardam o relógio marcar 20h30 dentro do carro, acompanhados das famílias.


Uma hora extra custa entre R$ 90 e R$ 134, conforme o cargo. Apesar de a Câmara ter investido R$ 2,8 milhões no sistema biométrico de registro de ponto para acabar com as fraudes, o Correio esteve no térreo do Anexo IV na noite de terça-feira e flagrou o drible dos servidores na norma.

Eles chegam pela garagem — muitos com roupas informais, destoantes do vestuário habitual da Câmara —, registram o ponto e aguardam o horário da saída.

A Casa já desembolsou, somente neste ano, R$ 33 milhões com o pagamento de horas extras.


A assessoria de imprensa da Câmara diz que há dois tipos de adicionais:
as horas extras propriamente ditas, com um custo de R$ 2,3 milhões, e as sessões noturnas, principalmente às terças e às quartas, que já custaram R$ 31,1 milhões.

No primeiro grupo, estão seguranças e técnicos que estendem a jornada de trabalho, inclusive no fim de semana. No outro estão os servidores flagrados pelo Correio. "Historicamente, o valor registrado neste ano está na média dos dois anos anteriores", justifica a assessoria.


A irregularidade flagrada na Câmara é uma das razões para os gastos com horas extras no Legislativo serem tão altos. Mas o dispêndio com serviços extraordinários faz parte da rotina administrativa nos Três Poderes, independentemente das fraudes detectadas.

Um levantamento dos pagamentos extraordinários do Executivo,do Legislativo e do Judiciário mostra que a União tem desembolsado em acréscimos salariais valores semelhantes a todo o montante gasto em 2010 na erradicação do trabalho infantil.

Em 2011, as horas extras dos Três Poderes custaram R$ 270 milhões, segundo informações da execução orçamentária obtidas até a primeira quinzena de setembro.


O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), do Ministério do Desenvolvimento Social, recebeu durante todo o ano passado R$ 290 milhões para a proteção de crianças.


A cifra das despesas com serviços extraordinários é uma prévia.
Histórico de gastos da União com horas extras mostra que o governo tem desembolsado uma média de R$ 500 milhões anuais com a rubrica.


O valor é duas vezes maior do que o orçamento do Ministério da Pesca e equivale aos recursos direcionados a grandes programas, como o assentamento de trabalhadores rurais, proteção aos povos indígenas e segurança de voo e controle do espaço aéreo.


Josie Jeronimo, Vinicius Sassine e Júnia Gama Correio Braziliense

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