"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

setembro 19, 2011

BRASIL S.A : Os três ministros e as carroças.


Foi, no mínimo, constrangedor ver os ministros Guido Mantega (Fazenda), Fernando Pimentel (Desenvolvimento) e Aloizio Mercadante (Ciência e Tecnologia) anunciando o aumento de 30 pontos percentuais do Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) cobrado dos carros importados.

Sem argumentos consistentes, forçaram a população a engolir a justificativa de que o governo estava protegendo os empregos no país.

Se não fosse fechada logo a porteira para os veículos de vêm de fora, o Brasil assistiria a uma onda de demissões nas montadoras que produzem em terras nacionais — todas elas, estrangeiras, ressalte-se.


Na verdade, o que o trio informou foi um golpe nos consumidores, impedidos de se beneficiarem de uma concorrência nunca vista no país no setor automotivo. Justamente por causa da chegada dos carros importados, os preços dos veículos caíram, em média, 2,41% neste ano, enquanto a inflação oficial, o IPCA, acumulou elevação de 4,42%.

Quem vai às concessionárias hoje consegue excelentes descontos só em apresentar o orçamento de um modelo de outra fabricante. Mais que isso:
é tratado com respeito, pois acabou o abuso das ditas montadoras nacionais de cobrarem até pelos tapetes dos veículos.

Como os importados são ofertados a preços acessíveis,
com todos os itens de conforto e segurança incluídos,
as empresas que o governo quer proteger tiveram de mudar a forma de atuar.

Para um país que, durante décadas, se acostumou a conviver com carroças motorizadas, a chegada dos importados se tornou um alento.

Mas, enquanto o dólar permaneceu caro e a concorrência beneficiando apenas os mais ricos, nenhuma das empresas aqui instaladas se preocupou em investir em pesquisa e tecnologia para oferecer veículos de qualidade, modernos, econômicos, comprometidos com o meio ambiente.


À medida, porém, que a moeda norte-americana foi perdendo valor, a classe média pôde driblar o descaso. Tão logo se deparou com a combinação de preços competitivos e qualidade, não pensou duas vezes em sair do cerco armado pelas tradicionais empresas.

Mas, independentemente de todo o apetite por importados, eles representam apenas 7% de todos os automóveis comercializados no país. Ou seja, nada.


O que torna a decisão do governo mais absurda é que, dos 40 principais veículos importados pelo Brasil, mais da metade não será afetada pelo aumento do IPI. Os carros são produzidos na Argentina e no México, países com os quais há acordos comerciais.

Não é só:
são justamente as montadoras que dobraram Brasília com um lobby fortíssimo as que trazem veículos dessas localidades, onde têm fábricas e geram empregos.

Quer dizer: elas continuarão importando e, com a concorrência restrita, poderão aumentar, sem constrangimento, os preços e empurrar a conta para os consumidores.


Caixa-preta
Sob o beneplácito do governo, o Brasil sempre foi um paraíso para as montadoras. Aqui, elas não prestam conta a ninguém.

Apesar de, nos países de origem, terem ações negociadas em bolsa e serem obrigada a publicar balanços sistematicamente, informando aos acionistas e ao mercado de onde vem e para onde vai o dinheiro que faturam, aqui são companhias fechadas.

Nem mesmo ao governo abrem os números para justificar medidas protecionistas como a anunciada na última quinta-feira.


No país, por venderem os carros mais caros do mundo, as montadoras registram lucros tão espetaculares, que, desde 2008, quando o mundo ruiu com a quebra do banco norte-americano Lehman Brothers, tornaram-se a tábua de salvação de suas matrizes, sobretudo as dos Estados Unidos.

Desde então, têm sido as companhias que mais remetem lucros e dividendos para o exterior, em vez de reinvestirem os recursos no país para desenvolver novas tecnologias.

O que, por sinal o governo espera que elas façam a partir de agora, ao condicionar o aumento do IPI à aplicação de 0,5% do faturamento bruto em pesquisas.


Sindicato de pelegos
O que dá alento aos consumidores é que, mesmo com a barreira imposta pelo governo para proteger a ineficiência e o lucro fácil, as montadoras coreanas e chinesas, as mais afetadas pela alta do IPI, vão levar adiante os projetos de abrir fábricas no Brasil.

E, ao que tudo indica, continuarão a oferecer automóveis mais baratos, forçando a concorrência. O país oscila entre o quarto maior produtor de carros do mundo e um dos mais promissores mercados consumidores.

Todas as empresas que têm visão estratégica sabem da importância de fincar os pés por aqui.


Sendo assim, as companhias que se acostumaram a buscar proteção em Brasília verão que a guerra é para valer. Não adiantará usar sindicatos de pelegos para propagar o medo e anunciar férias coletivas fictícias, porque erraram no planejamento da produção, para impressionar as autoridades.

Os consumidores viram que têm muito a ganhar com a maior oferta de modelos e marcas no país.

Não será por meio de canetadas que os brasileiros serão obrigados a se locomover por meio de carroças motorizadas, das quais Mantega, Pimentel e Mercadante poderiam ser garotos-propaganda.

Você compraria um carro anunciado por eles?
Eu não!


Vicente Nunes é editor de Economia/Correio

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