"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

março 16, 2011

ESTADO PROVEDOR VERSUS "CORTES".


O inevitável ajuste fiscal, imposto ao governo pela realidade, sob o risco de haver um descontrole da inflação, tem servido para revelar as dificuldades de se administrar o robusto Estado brasileiro, inflado ainda mais nos últimos oito anos, com aumentos de salários generosos aos servidores, contratações, substanciais reajustes do salário mínimo com grande impacto nas contas da Previdência, e assim por diante.

O governo estabeleceu a meta de uma redução de R$50 bilhões no Orçamento deste ano com o objetivo, correto, de fazer os gastos em custeio crescerem menos que o PIB - meta que já deveria ter sido perseguida há mais tempo.

Mas não basta anunciar. É preciso executar de fato, com vontade política, a redução dos gastos, num meio ambiente político hostil a qualquer parcimônia no uso do dinheiro do contribuinte, já sufocado sob uma das mais elevadas cargas tributárias do mundo (35% do PIB).

Há, ainda, um problema objetivo que é o Estado brasileiro ter sido transformado, desde a promulgação da Constituição de 1988, numa gigantesca fonte pagadora de pessoas, um tipo de despesa de difícil corte - devido a razões políticas ou mesmo obstáculos legais. Só na folha de servidores ativos, inativos e pensionistas da União encontram-se 2,1 milhões de pessoas. Não há como cortar este gasto.

Em 2008, o Orçamento financiou a emissão de 27,4 milhões de contracheques no valor de um salário mínimo ou indexados por ele, segundo artigo do economista Raul Velloso, publicado no GLOBO de segunda-feira.

Daquele total, 16,3 milhões foram de benefícios do INSS; 3,5 milhões de assistência a idosos pobres e a deficientes, e ainda 7,6 milhões de abono salarial do PIS e seguro-desemprego. O economista calcula que, este ano, esta população dependente do Tesouro chegará aos 30 milhões.

Considerando-se os dependentes, o Estado paga hoje, direta e indiretamente, no mínimo a cerca de 50 milhões de pessoas. Não se inclui aqui o Bolsa Família, para evitar qualquer dupla contagem. O número, portanto, está subestimado. Mas, incluindo o gasto com o assistencialismo, quase 75% das despesas não financeiras executadas no ano passado foram destinadas a pessoas.

E, se for somado a esta conta o gasto obrigatório com Saúde e Educação, restam apenas 15% das despesas totais para outros gastos em custeio e investimentos. No final das contas, conclui o economista, restarão pouco menos de R$80 bilhões - num Orçamento de mais de R$600 bilhões - para os cortes de R$50 bilhões.
Não será fácil.

Há margem para economias importantes na moralização da administração pública, mas de dimensão incerta. Ontem, também em artigo publicado no jornal, o economista Gil Castello Branco, da ONG Contas Abertas, revelou que a indenização a supostos pescadores em função da temporada de suspensão da atividade, para preservação de espécies, custa cinco vezes mais que o próprio ministério da área.

Outra distorção:
cresceu o seguro-desemprego enquanto a taxa de desemprego caia. São evidências gritantes de fraudes, outro aspecto desta cultura criada pela ideologia do Estado provedor, mal administrado e vulnerável a todo tipo de pilhagem.

O Globo

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