"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

fevereiro 17, 2011

PARA O BRASIL CONTINUAR MUDANDO : TREM-BALA, TREM DOIDO. E O SALÁRIO ÓÓÓ...


Pode parecer estranho que este mineiro seja contrário ao projeto do Trem de Alta Velocidade (TAV) que ligaria Campinas ao Rio de Janeiro via São Paulo, porque sabidamente gostamos de trens.

Contudo, esse TAV merece a execração de todos os que se empenham no uso de recursos públicos em projetos que econômica e socialmente se justifiquem.

E que também não se conformam em ver um projeto deste alcance - e de nome também apropriado à ligeireza de seu preparo - que se quer empurrar goela abaixo da sociedade sem uma ampla e profunda discussão, provavelmente temida pelo governo pelo que traria de contraditório.

Como economista, sou também alérgico a uma proposta que não passaria pelo exame de um curso de análise econômica e social de projetos, tamanhos os despautérios que apresenta. Em Portugal, 28 economistas de prestígio assinaram em 2009 manifesto contrário a projetos locais desse tipo.

Na linguagem típica de seu país, e com fundamentos nessa análise, há um diagnóstico que vejo também aplicável ao Brasil.
Assim, afirmam que "...estudos parcelares disponibilizados sobre a sua rentabilidade econômica e social (mesmo se baseados em pressupostos optimistas), mostram que sua contribuição previsível para a essência econômica do País é muito diminuta, e pode ser até amplamente negativa em termos de Rendimento Nacional. E tem elevados custos de oportunidade no que toca aos fundos públicos, aos apoios da União Europeia e aos financiamentos (dívida externa) da Banca Nacional e do Banco Europeu de Investimentos. ...Tais estudos também evidenciam que, pelo menos na primeira década de exploração, não haverá procura suficiente para a rentabilização econômica e social de tão pesados investimentos. Irão originar, por conseguinte, prejuízos de exploração significativos, a serem suportados pelo contribuinte." .

Transpondo essa avaliação para o projeto do TAV brasileiro, quanto aos fundos públicos eles serão imensos.
Estima-se que o valor presente do custo para o erário seria, na hipótese mais otimista, de R$ 14 bilhões e, na mais pessimista, de R$ 36,4 bilhões.

Ora, a própria discrepância desses números revela os enormes graus de incerteza e de risco que marcam o projeto, além de a experiência nacional mostrar que hipóteses pessimistas de custo são as mais atingidas, e frequentemente ultrapassadas.

Quanto ao "custo de oportunidade", ou seja, relativamente a projetos alternativos, não é preciso muita ciência para perceber que nessa área de transportes os recursos previstos para o TAV poderiam encontrar retorno econômico e social muito maior.
(...)
Quanto à Banca Nacional, no caso o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), prevê-se que este abriria suas torneiras de recursos e subsídios para o financiamento do TAV, a um custo de R$ 4,8 bilhões só no segundo item.

E há mais subsídios, pois, para garantir a realização do leilão do TAV, o governo vem estimulando interessados, que não são bobos, por meio de garantia da demanda de passageiros, a um custo que poderá alcançar R$ 5 bilhões.

(...)
Na mais recente cartada para atrair interessados na empreitada, o governo federal novamente forçou a barra e na aventura envolveu tanto os Correios como a Eletrobrás como participantes.
O grande mistério do projeto é que forças o levam adiante em Brasília.

Transparecem governantes megalomaníacos, políticos inescrupulosos, construtoras e investidores em alvoroço e traços de uma futura grande festa regada a doações para campanhas eleitorais.

De estranhar também a atitude do tradicional lobby ecológico, estimulado também de fora para dentro do País, que se manifesta tão agressivamente contra novas hidrelétricas na Amazônia, mas tem praticamente ignorado o TAV, apesar dos enormes danos ambientais que traria à região de seu trânsito.

Ele não admite passagens de nível, exige cercas fortificadas, muitas linhas retas e curvas de grande arco, atropelando assim o que viesse pela frente, como nascentes, córregos, rios, várzeas, mata nativa e tudo o mais.
Tampouco as comunidades em torno do trajeto projetado acordaram para esses e outros danos, inclusive a possibilidade de sua divisão em partes.


E mais:
com o projeto e seu leilão para abril retomando velocidade, o TAV já segue na contramão fiscal mesmo antes de ser construído.
A atitude do governo, que hoje se diz seriamente empenhado em ajustar suas contas a uma grave realidade, inclusive no plano da inflação, não condiz com seu renovado empenho no projeto.

Sua tarefa hoje é recuperar a confiança da sociedade na sua política econômica, o que é indispensável à eficácia dela e que um trem doido como esse só pode atrapalhar.


Roberto Macedo O Estado de S. Paulo

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