"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

outubro 10, 2010

A PETROBRAS E A POLITIZAÇÃO , COISAS DO ÉBRIO.


Depois da “maior capitalização da história”, a maior empresa do Brasil, a Petrobrás, perdeu R$ 28,4 bilhões de valor de mercado em apenas três dias, encolhendo 7,5% nesse período.

Na sexta-feira, suas ações ganharam algum impulso, depois de bater no nível mais baixo em um ano e meio. A onda de vendas foi apenas um “ajuste de carteira”, segundo seu presidente, José Sérgio Gabrielli.

“É normal as ações subirem e descerem”, ponderou o ministro da Fazenda e presidente do conselho da estatal, Guido Mantega. A empresa, acrescentou, está mais forte do que nunca e sua capitalização foi “reconhecida mundialmente como importante”.

Nenhuma das duas explicações é para ser levada a sério.

Oscilações dessa amplitude não são normais no dia a dia nem são meros ajustes de carteira. O problema da Petrobrás é o mesmo de antes da capitalização: uma perigosa subordinação aos interesses políticos de um governo centralizador e voluntarista.

Os investidores foram confrontados durante a semana com duas novidades importantes. Uma delas foi a avaliação negativa divulgada por seis bancos.

Diluição de lucros e perspectiva de baixo retorno foram os problemas apontados.

A outra foi o rumor sobre irregularidades na administração da empresa.

Este segundo fator seria muito menos importante, se o mercado reconhecesse a gestão da Petrobrás como essencialmente profissional e voltada para objetivos empresariais.

Mas esse não é o caso.

Há meses, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou publicamente haver mandado a estatal investir em refinarias no Nordeste. Esses investimentos, segundo ele, não teriam ocorrido, se a decisão dependesse da avaliação dos diretores da companhia.

Nos últimos dias, o presidente da República voltou a alardear sua intervenção.

A Petrobrás, disse ele na quinta-feira, deixou de ser uma caixa-preta e converteu-se numa caixa branca, ou quase, durante seu governo.

Ele teria apontado um fato positivo, se mencionasse apenas o aumento da transparência - discutível, na verdade. Mas foi além disso e se vangloriou, mais uma vez, de mandar na empresa: “A gente sabe o que acontece lá dentro e a gente decide muitas das coisas que ela vai fazer.”

“A gente decide” é mais que uma expressão singela.

É uma confirmação - mais uma - do estilo centralizador e voluntarista do presidente da República. Não só de um estilo, mas de uma mentalidade.

Ele age e fala como se as diretorias das estatais fossem apenas extensões de seu gabinete e não tivessem compromissos com milhões de acionistas.

“A gente sabe” e “a gente decide”.

Ele, de fato, foi além disso. Tentou interferir também na gestão de grandes empresas privatizadas, como a Embraer e a Vale, como se coubesse ao presidente da República orientar as políticas de pessoal e de investimentos dessas companhias.

Esse jogo de interferências não tem sido apenas econômico e administrativo. O envolvimento do presidente da República tem sido sobretudo político e, muitas vezes, político-eleitoral.

A Petrobrás também está no segundo turno”, disse Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, ao comentar a inauguração antecipada, na quinta-feira, da Plataforma P-57.

Antes da votação de domingo, o evento estava previsto para dezembro.

Também a capitalização da Petrobrás foi politizada, o que complicou o processo. O leilão ocorreu quase no fim do prazo previsto, porque o governo foi incapaz de cuidar do problema com critérios essencialmente econômicos e administrativos.

Sua insistência em ampliar a participação do Estado na Petrobrás dificultou a fixação do preço dos 5 bilhões de barris cedidos à empresa pela União.

O preço médio foi estabelecido, afinal, por um processo nunca explicado de forma satisfatória, até porque não passa de suposição o volume das jazidas envolvidas no negócio.

A confusão e a insegurança criadas por esse processo politizado afetaram duramente o mercado. O valor da Petrobrás encolheu cerca de 30%, enquanto a empresa, o governo e a Agência Nacional do Petróleo se enrolavam nas dificuldades políticas da capitalização.

A empresa continua sob os efeitos de uma gestão politizada e, por isso, vulnerável a rumores e escândalos.

O mercado refletiu, nos últimos dias, essa vulnerabilidade.

Editorial do Estadão

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