"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

setembro 27, 2010

QUAL OPOSIÇÃO ?

Em recente evento no Secovi-SP, seu presidente, João Crestana, numa mesa-redonda, colocou a seguinte questão: "Qual o papel da oposição num mais que provável governo Dilma Rousseff?"

De minha parte, respondi: Qual oposição?

Não consigo bem entender a pergunta!

A questão provocou uma indagação relativa ao que tem sido o exercício das oposições e, mais particularmente, dos tucanos na campanha presidencial.

Com efeito, a oposição não agiu enquanto tal, salvo, agora, de forma atabalhoada, quando a derrota se vislumbra no horizonte imediato.

Uma oposição digna desse nome deveria ter apresentado propostas, mostrado o seu contraste com o governo, expondo o que fez no passado e sugerindo medidas alternativas.

Não deveria ter-se escondido enquanto oposição, fingindo ser uma outra forma da situação.

A oposição tucana alçou Lula a um pedestal, como se ele estivesse acima do bem e do mal.

Colocou-se, numa espécie de servidão voluntária, na posição de continuação do atual governo, interditando-se qualquer crítica ao atual mandatário.

A chiadeira atual de que ele está ameaçando as instituições nada mais é do que o resultado de sua incompetência, o fruto desse reconhecimento preliminar de que a condenação do atual governo não deveria fazer parte de sua agenda política.

É o estertor de uma política que não deu certo!

Nesse sentido, foi forjada a ideia de que Lula não é o PT.

Logo, se ele não é o PT, como sua criatura seria a representante mesma do partido? Ela deveria ser "lulista", e não "petista", se essa distinção fizesse sentido.

(...)

Não deveria, pois, surpreender a declaração do ex-ministro José Dirceu de que a diferença principal entre Lula e Dilma reside em que o primeiro é "duas vezes o tamanho do PT", enquanto a segunda é menor do que o partido.

O que disse foi simplesmente uma verdade.

A celeuma, nessa perspectiva, não tem nenhuma razão de ser, na medida em que pode ser constatada por qualquer pessoa preocupada em compreender a realidade tal como ela é.

Outra pessoa tivesse dito a mesma coisa, a controvérsia nem se teria estabelecido nem os juízos de valor sobre a pessoa que a enunciou.

A propaganda eleitoral tucana que trata o ex-ministro como um representante do "mal" é só uma forma de continuar preservando a figura de Lula como encarnando o "bem", procurando dessa maneira atingir a candidata Dilma.

Não dá para entender.

Fica-se com a impressão de que Dirceu é ainda ministro da Casa Civil, ou mesmo candidato, ou, ainda, que Dilma é sua criatura.

A confusão é total.

(...)

Criou-se, assim, a ficção de que Lula não é o PT e que as posições mais revolucionárias do partido estariam descartadas.

Não o foram, pois elas continuam animando boa parte de suas tendências.

(...)

O período que se abre num mais que provável governo Dilma é o de como o PT vai resolver suas contradições internas.

O que se convencionou chamar de "lulismo", e outros chamam de "pragmatismo" petista, expressa a predominância de correntes internas que optaram por abandonar a ruptura com o capitalismo, visando à instauração de uma sociedade socialista autoritária no Brasil.

(...)

O PMDB, não esqueçamos, faz parte da aliança governamental e pelas boas e más razões não embarcará numa aventura revolucionária.

Quanto mais não seja, para não perder os benefícios que extrai do status quo.

A atual situação é-lhe mais que favorável e tudo fará para que não se altere.

Ele continuará compartilhando o "pão", talvez com mais voracidade.

Há um novo jogo aqui, o das disputas internas do PT, que se tornará mais complexo com a atuação do PMDB, procurando ocupar os mesmos espaços.

As oposições, que sairão derrotadas deste pleito, serão, num primeiro momento, meras espectadoras.

Terão, preliminarmente, de responder à pergunta "qual oposição?", se pretenderem, num segundo momento, um papel de protagonismo.

Denis Lerrer Rosenfield - O Estado de S.Paulo

PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS. E-MAIL: DENISROSENFIELD@TERRA.COM.BR

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