"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

agosto 20, 2010

O DONATÁRIO

O presidente Lula se despedindo da Presidência, no programa eleitoral de Dilma Rousseff, com a música “entrego em suas mãos o meu povo” me lembrou o pior Brasil.

O Brasil dos donatários, das capitanias hereditárias.

Como se não fosse suficiente, ainda há o discurso que infantiliza o povo brasileiro com essa história de pai e mãe do povo.

Desde “Coronelismo, enxada e voto”, de Victor Nunes Leal, o Brasil conhece bem esse seu pior lado.

O do patrimonialismo brasileiro, do qual nasceram outros defeitos: o populismo, o paternalismo, o clientelismo.

Com a manipulação das massas, os donatários do Brasil mantêm o poder e o entregam aos seus herdeiros.

Ninguém duvida que apelos emocionais funcionam em campanha eleitoral. Mas não garantem eleição. Difícil esquecer até hoje o contagiante

“Lula lá, nasce uma estrela, Lula lá”. E ele perdeu aquela eleição.

São muitas as razões do voto e a história eleitoral brasileira é curta demais para que sejam traçadas leis gerais.

Mas espera-se que ela não se explique pelo retrocesso, por essa visita ao passado.

A economia é decisiva na maioria das eleições, mas nem sempre. A economia americana estava num dos seus melhores momentos ao final do governo Bill Clinton e mesmo assim Al Gore perdeu.

(...)

A História econômica recente do Brasil mostra que o crescimento do PIB tem duas características: não sustenta taxas altas por muito tempo; não tem grandes quedas.

No ano passado, vários países do mundo tiveram quedas grandes do PIB como os 7% da Rússia e do México. O Brasil ficou no -0,2%.

Pela visão do ministro Guido Mantega, foi a ação do BNDES. Mas na crise da Ásia todos os países que tiveram colapsos cambiais enfrentaram recessões enormes: Coréia, -7%; Indonésia, -17%.

(...)

Ninguém discute a importância do BNDES na economia brasileira, é claro que ele é importante. O problema são os desvios que reforçam o patrimonialismo: a ideia de que o Tesouro pode ser apropriado por alguns.

(...)

É por isso que os grandes empresários brasileiros estão tão contentes e querem mais do mesmo.

O presidente da Fiesp, Benjamin Steinbruch, na série de ideias obsoletas que exibiu na entrevista que concedeu esta semana ao “Valor Econômico”, disse que quer não um, mas três BNDESs.

Pode-se imaginar que está sendo sincero.

Pediu que o governo “feche o país por um tempo.”

Pode-se imaginar por quê.

Com a economia fechada, funciona melhor o sistema das capitanias hereditárias, do mercado interno entregue como donataria para alguns proprietários.

Há 20 anos o Brasil começou a abrir a economia, por isso já se pensava, a esta altura, que ninguém teria mais a coragem de fazer um pedido como esse.

A crise de 2008/2009 e as eleições de 2010 viraram uma espécie de licença para propor qualquer velharia: dos subsídios ao fechamento do país.

A campanha governista nas eleições está fortalecendo a ideia de que o país não tem um líder, nem um presidente; tem um dono.

Um donatário.

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