"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

fevereiro 18, 2010

QUEM SOU EU E QUEM ÉS TU .

“Quem sou eu e quem és tu”
Claudio Salm, Jornal dos Economistas, RJ, nº 246, 17/02/10
Pergunta do JE - Frente a possível disputa presidencial entre Dilma e Serra, quais os caminhos do Estado, da política econômica e de distribuição de rendas no Brasil, caso um desses dois candidatos venha a presidir o país?
Haveria diferenças?

Resposta de Claudio Salm (IE-UFRJ):

Não dispomos ainda dos programas de governo para confrontar. Serra não se pronunciou sobre quais serão as suas prioridades. Dilma tampouco.

Não que programas de governo sejam sempre decisivos - veja-se a distância entre o programa e o governo do PT.
Mas seria um ponto de partida para responder às perguntas formuladas.
Qualquer resposta, por enquanto, terá que ser fortemente especulativa.

Vou aceitar a provocação do presidente Lula e responder na base do “quem sou eu e quem és tu”.

Para poupar o esforço dos que iriam com sofreguidão ao Google em busca de algo que pudesse revelar quais seriam as minhas “verdadeiras intenções”, declaro desde logo que sou eleitor do Serra.

Do ponto de vista programático não cabe pensar em Serra como reedição de FHC, dado que existem diferenças expressivas entre eles.

Já o mesmo não pode ser dito de Dilma em relação a Lula.
Tutelada por ele, Dilma irá prometer fazer “mais do mesmo”.
Sublinho, irá prometer.
O problema é que será muito difícil cumprir.

A trajetória seguida até aqui leva inexoravelmente, e em curto prazo, a problemas que, se não forem atacados prioritariamente, irão nos colocar em situação bem delicada.

Refiro-me às bombas já instaladas nas contas fiscais e nas contas externas.
Esta última deverá explodir logo.
Caminhamos para um déficit em Conta Corrente que em 2011 poderá ser da ordem de 5% do PIB!

Para evitar o aumento do peso relativo da dívida pública, será preciso manter elevadas taxas de crescimento do PIB, o que será impossível face à reduzida taxa de investimento, especialmente a do investimento público federal, da qual depende a superação dos nossos gargalos em infraestrutura.

Sem mostrar como enfrentar os problemas mencionados, será mera tagarelice apenas declarar a intenção de promover o crescimento com distribuição de renda, respeito ao meio-ambiente e com o fortalecimento da soberania e da defesa nacional.

Quanto à política macroeconômica, quem tem insistido mais na denúncia da perversidade da nossa combinação juros & câmbio?
Eu nunca ouvi uma palavra de Dilma a respeito.

Qual dos dois, como presidente, teria melhores condições para romper com os juros altos e o dólar barato?

Seria Serra, sem dúvida, que, além de saber economia, não tem, como Dilma, o compromisso de indicar o presidente do BACEN que mais agrade aos bancos.

Somente para efeito de raciocínio:
se apenas algo como a metade do que se gasta com juros da dívida pública fosse transferido aos 30% mais pobres, o Brasil acabaria com a pobreza e teria uma distribuição de renda das mais “normais”.

Lula é unanimidade em Davos, não em Porto Alegre.

Tornou-se o darling do capital financeiro e não é pra menos.
O Brasil é considerado hoje um porto seguro para o capital especulativo, verdadeira casa da mãe Joana.

Serra não deixa dúvida quanto ao que pensa sobre o papel do Estado.
Nunca comprou o mito neoliberal do estado mínimo, ao contrário, a expressão “ativismo governamental” já é um refrão associado a ele.

Basta ver a engenhosidade com que promoveu o investimento público em São Paulo, e fez isso nas difíceis condições da crise recente, sujeito às limitações legais que mesmo em tempos normais dificultam o investimento público estadual, mas não o da União.

O mesmo deve ser dito em relação às políticas sociais.
O “ativismo governamental” de Serra, em São Paulo, na Saúde e na Educação técnica e tecnológica, é marcante.

É verdade que nos governos FHC, o BNDES foi levado a destinar grande parte de seus financiamentos para a privatização.
Mas esse desvio jamais contou com o entusiasmo de Serra, que elogiou de público o desempenho de Luciano Coutinho à frente do banco.

Outro exemplo importante a ser lembrado foi a não rejeição de Serra à idéia da criação de uma empresa estatal para gerir o Pré-Sal.
Só por ignorância ou má fé alguém poderia atribuir a Serra uma postura privatista dogmática.

Utilizar os enormes investimentos da Petrobrás para fazer política industrial e desenvolver nossa petroquímica, nossa indústria naval, é algo que faz parte do bê-á-bá da cartilha de Serra.

Isso, no entanto, não significa que iria permitir a construção aqui de plataformas com custos incrivelmente maiores que as importadas e com índices de nacionalização fajutos, só pra inglês ver, como vem sendo feito.

No enfrentamento dos nossos grandes desafios energéticos, embora Serra seja um entusiasta da hidroeletricidade, trataria com muito mais cuidado os impactos ambientais das construções das usinas de grande porte com seus lagos podres. Dilma sempre demonstrou descaso pelas questões ambientais.

As audiências públicas promovidas para ouvir as populações afetadas pela construção de Belo Monte, no Xingu, foram pro forma.

Infelizmente, será necessário repetir sempre que Serra não irá promover qualquer retrocesso no Bolsa Família que ele entende ser um bom instrumento de combate à pobreza, cujas raízes vêm do governo FHC.

Mas, quanto à distribuição de renda, irá propor também outros mecanismos, entre os quais uma reforma fiscal que torne a arrecadação menos onerosa para os mais pobres, tal como é feito nos países desenvolvidos.
Lula não demonstrou qualquer empenho nesse sentido.

No plano político, nessa eleição vai-se tentar explorar a “síndrome do Flamengo”, ou seja, a identificação ideológica do eleitorado de esquerda, ou mais à esquerda, com a candidatura Dilma.
Mas não vai pegar.

Não seria possível fazê-lo a partir das biografias de cada um nem, muito menos, a partir de alianças e apoios.

Dilma conta com o apoio de Sarney e de Collor e, se puder, deverá ter o Meirelles como vice, como tudo indica ser o desejo de Lula.
E dos banqueiros.
A força de Dilma é o “Lulismo”, não o PT.

O “Lulismo”, por sua vez, como tão bem nos explicou o André Singer, assenta-se principalmente no segmento mais pobre e desorganizado da sociedade e cujo maior anseio é a ordem imposta de cima.

Uma postura de “direita”.
Essa liga – banqueiros com o “subproletariado”, para usar o termo de Singer – é, conceitual e historicamente, a base do fascismo.
Aguardo análises de cientistas políticos que mostrem que aqui é diferente.

O sindicalismo petista irá se mobilizar contra o Serra. E daí?
Sindicatos e confederações cujos dirigentes aboletaram-se em cargos públicos?
Ou, até mesmo em cargos de órgãos patronais, como o SESI?
Não é, pois, na dimensão ideológica que eu poderia encontrar qualquer motivação para preferir Dilma a Serra, muito pelo contrário.

Se levarmos em conta a biografia, o currículo, a experiência, em minha opinião Serra dá de dez a zero na Dilma, tanto como líder político quanto como administrador público.
Trata-se de comparar lucidez, conhecimento, capacidade executiva e de iniciativa, seja como parlamentar, seja como ministro, prefeito ou governador. Serra não precisa passar por nenhum treinamento e dispensa personal marqueteiros.

Serra mostrou criatividade no levantamento de recursos para investimentos em São Paulo.

Basta comparar o que Serra fez nessa matéria com a mediocridade do investimento federal.
Ou com o que fez como ministro da Saúde em quatro anos, comparado aos oito anos do governo Lula.

Qual a experiência executiva da Dilma?
O PAC não passa de uma juntada de projetos fragmentados.
E a experiência política? Serra foi o mais produtivo parlamentar do seu período, deputado e senador, além de lidar bem com vereadores e deputados estaduais, quando prefeito e governador, sem lotear os altos cargos da administração.
E Dilma?

Com o fim da guerra fria e da União Soviética acabou o mundo bipolar.
Surgiram novos centros de poder e o Brasil é um deles, o que exige, ademais de dotar nossas forças armadas de efetivo poder dissuasório, aproximação e diálogo com outros centros emergentes de poder regional como é o caso do Irã, a maior potência do Oriente Médio.

É compreensível, mas não justifica termos recebido com pompa e circunstância o títere da teocracia obscurantista iraniana. Serra jamais teria permitido que o País passasse pelo constrangimento daquela visita, qualificada por ele como “indesejável”.

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