Quando virei avô, um papel social para o qual eu contribuí apenas indiretamente, pois como sabe o óbvio mais ululante quem faz os netos são os nossos filhos, entendi a força daquilo que chamamos de “graça”.
(...)
Podemos ser fraudes como genitores, mas é impossível fraudar o papel de avô.
Num caso, exige-se muito; noutro, a fraude é substituída pelas fraldas.
Ora, fraudar é mais do que mentir: é criar ilusões, é inventar competências, é encobrir malfeitos com imagens e propaganda enganosa.
Fraldar, porém, diz respeito a fazer o exato oposto.
Trata-se de vestir o infante, dando-lhe aquela primeira tintura de um traço que temos como básico na nossa sociedade:
a diferença essencial entre o sujo e o limpo.
Se as regras forem realmente honradas, as fraudes devem ser punidas; fraldas, entretanto, são jogadas fora.
Mas tanto a fralda quanto a fraude implicam alguma “sujeira” no sentido popular do termo.
Fraudes remetem a falcatruas e hipocrisias (por exemplo: eu falo que vou fazer isso ou aquilo só para ter votos); fraldas têm tudo a ver com mamadas e banhos que fazem crescer.
Ademais, elas limpam e separam o sujo do limpo.
Entendese, portanto, o ato falho auditivo da candidata Dilma quando, ao ser perguntada sobre “fraldas”, entendeu que era questionada sobre “fraudes”.
Essas mal traçadas sobre o que significa ser avó ou avô, esses papéis nos quais — dizem — o sexo e a sexualidade não têm mais importância, talvez ajudem a compreender a falha da audição de uma candidata tão preocupada em pretender ser o que obviamente não é; que a fralda da avó se confunde com a fraude tão comum na política do partido que ela representa.
Um dia eu escrevi um texto teorizando sobre o “voto amigo”, no qual jus-tificava por que não ia votar motivado ideologicamente, mas por simpatia pessoal.
A nota, que foi recebida furiosamente por uma esquerda que sempre espuma de ódio com os outros, mas vive debaixo de uma ética de condescendência consigo mesma, foi escrita com o intuito de politizar os elos pessoais.
Os laços de amizade e reciprocidade que até hoje nos obrigam a escolher mais pessoas amigas do que representantes dos movimentos sociais como motivos para o voto.
(...)
Afinal de contas, eis o que eu dizia, se exigimos uma politização do mundo, como deixar de fora os amigos, a casa, os parentes e os compadres?
Se a coerência é impossível, não seria o caso de discuti-la e, assim, politizá-la no sentido mais produtivo desta palavra?
Fiquei muito feliz descobrindo que muitos brasileiros geniais, ilustres e sábios, como Caetano Veloso e Oscar Niemeyer, vão votar em amigos.
O arquiteto vai votar em Marco Maciel — um neoliberal que, para muitos, deveria queimar no inferno — porque, diz Niemeyer, “eu o conheço há tempo honestíssimo” — enfatiza.
Haveria algum problema entre o desejo de mudar, permanecendo leal àqueles que “eu conheço”?
A amizade suspende todos os juízos, leis e normas?
Afinal pelos amigos podemos fazer tudo.
E se Judas, Stalin, Fidel, Chávez ou Hitler fossem meus amigos?
Eu acho que é preciso distinguir fraudes e fraldas.
E essa distinção é o projeto mais básico no nosso momento político-eleitoral.
Agencia o Globo/Roberto DaMatta
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Podemos ser fraudes como genitores, mas é impossível fraudar o papel de avô.
Num caso, exige-se muito; noutro, a fraude é substituída pelas fraldas.
Ora, fraudar é mais do que mentir: é criar ilusões, é inventar competências, é encobrir malfeitos com imagens e propaganda enganosa.
Fraldar, porém, diz respeito a fazer o exato oposto.
Trata-se de vestir o infante, dando-lhe aquela primeira tintura de um traço que temos como básico na nossa sociedade:
a diferença essencial entre o sujo e o limpo.
Se as regras forem realmente honradas, as fraudes devem ser punidas; fraldas, entretanto, são jogadas fora.
Mas tanto a fralda quanto a fraude implicam alguma “sujeira” no sentido popular do termo.
Fraudes remetem a falcatruas e hipocrisias (por exemplo: eu falo que vou fazer isso ou aquilo só para ter votos); fraldas têm tudo a ver com mamadas e banhos que fazem crescer.
Ademais, elas limpam e separam o sujo do limpo.
Entendese, portanto, o ato falho auditivo da candidata Dilma quando, ao ser perguntada sobre “fraldas”, entendeu que era questionada sobre “fraudes”.
Um dia eu escrevi um texto teorizando sobre o “voto amigo”, no qual jus-tificava por que não ia votar motivado ideologicamente, mas por simpatia pessoal.
A nota, que foi recebida furiosamente por uma esquerda que sempre espuma de ódio com os outros, mas vive debaixo de uma ética de condescendência consigo mesma, foi escrita com o intuito de politizar os elos pessoais.
Os laços de amizade e reciprocidade que até hoje nos obrigam a escolher mais pessoas amigas do que representantes dos movimentos sociais como motivos para o voto.
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Afinal de contas, eis o que eu dizia, se exigimos uma politização do mundo, como deixar de fora os amigos, a casa, os parentes e os compadres?
Se a coerência é impossível, não seria o caso de discuti-la e, assim, politizá-la no sentido mais produtivo desta palavra?
Fiquei muito feliz descobrindo que muitos brasileiros geniais, ilustres e sábios, como Caetano Veloso e Oscar Niemeyer, vão votar em amigos.
O arquiteto vai votar em Marco Maciel — um neoliberal que, para muitos, deveria queimar no inferno — porque, diz Niemeyer, “eu o conheço há tempo honestíssimo” — enfatiza.
Haveria algum problema entre o desejo de mudar, permanecendo leal àqueles que “eu conheço”?
A amizade suspende todos os juízos, leis e normas?
Afinal pelos amigos podemos fazer tudo.
E se Judas, Stalin, Fidel, Chávez ou Hitler fossem meus amigos?
Eu acho que é preciso distinguir fraudes e fraldas.
E essa distinção é o projeto mais básico no nosso momento político-eleitoral.
Agencia o Globo/Roberto DaMatta
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